1.1 O que é?
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é uma doença crónica caracterizada por inflamação persistente das articulações. Os sinais típicos da inflamação das articulações são a dor, inchaço e limitação dos movimentos. "Idiopática" significa que não sabemos a causa da doença e "juvenil", neste caso, significa que o início dos sintomas ocorre normalmente antes dos 16 anos de idade.
1.2 O que significa uma doença ser crónica?
Diz-se que uma doença é crónica quando com os tratamentos apropriados não se consegue necessariamente obter a sua cura, mas resulta numa melhoria dos sintomas e dos resultados laboratoriais.
Isto também significa que, quando o diagnóstico é feito, é impossível prever durante quanto tempo a criança estará doente.
1.3 Qual é a sua frequência?
A AIJ é uma doença relativamente rara que afeta cerca de 1-2 indivíduos em cada 1.000 crianças.
1.4 Quais são as causas da doença?
O nosso sistema imunitário protege-nos das infeções causadas por vários micróbios tais como vírus e bactérias. Ao fazê-lo, é capaz de distinguir o que é estranho e potencialmente perigoso para o nosso corpo do que pertence ao nosso próprio organismo, e como tal deve destruí-los.
Pensa-se que as artrites crónicas sejam uma consequência de uma resposta anormal do nosso sistema imunitário que, em parte, perde a sua capacidade de distinguir o que é "estranho", das células "próprias" do nosso organismo e, por este motivo, ataca componentes do próprio organismo, como por exemplo, o revestimento das articulações, causando inflamação. Por este motivo, as doenças como as AIJs também são chamadas de "imunomediadas", o que significa que o sistema imunitário reage de forma inadequada.
No entanto, tal como na maioria das doenças inflamatórias crónicas humanas, os mecanismos exatos que causam as AIJs são desconhecidos.
1.5 É uma doença hereditária?
A AIJ não é uma doença hereditária uma vez que não pode ser transmitida diretamente pelos pais aos seus filhos. Contudo, existem alguns fatores genéticos, em grande parte ainda desconhecidos, que predispõem os indivíduos para a doença. A comunidade científica está de acordo quanto ao facto de que esta doença resulta de uma combinação de predisposições genéticas com a exposição a fatores ambientais (provavelmente infeções). Mesmo quando possa existir uma predisposição genética, é muito raro ter duas crianças afetadas na mesma família.
1.6 Como é diagnosticada?
O diagnóstico de AIJ baseia-se na presença e persistência de artrite e na exclusão cuidadosa de qualquer outra doença, através da avaliação da história médica, de um exame físico da criança e de testes laboratoriais.
Os médicos dizem tratar-se de AIJ quando o início da doença ocorre antes dos 16 anos de idade, os sintomas duram mais de 6 semanas e todas as outras doenças que podem ser responsáveis por artrite foram excluídas.
O motivo para este período de 6 semanas é permitir excluir outras formas de artrite temporária tais como aquelas que podem surgir após várias infeções. O termo AIJ inclui todas as formas de artrite persistente de origem desconhecida com início na infância.
A AIJ inclui diferentes formas de artrite que foram identificadas (ver abaixo).
1.7 O que acontece às articulações?
A membrana sinovial é o revestimento interno fino da cápsula articular, o qual, na artrite, se torna muito mais espesso e cheio de células inflamatórias e de tecido e que produz um aumento da quantidade de líquido sinovial no interior da articulação. Isto causa inchaço, dor e limitação de movimentos. Uma característica da inflamação das articulações é a rigidez articular que ocorre após períodos prolongados de repouso, sendo por isso particularmente pronunciada de manhã, ao acordar (rigidez matinal).
Frequentemente as crianças tentam reduzir a dor mantendo as articulações numa posição semi-dobrada. Esta posição designa-se por "antálgica" para salientar que pretende reduzir a dor. Se esta posição for mantida durante períodos de tempo prolongados (normalmente mais de 1 mês), esta posição anormal leva ao encurtamento (retração) dos músculos e tendões e ao desenvolvimento de deformações em flexão (articulação dobrada).
Se não for tratada adequadamente, a inflamação das articulações pode provocar lesões articulares através de dois mecanismos principais: a membrana sinovial fica muito espessa, tornando-se "esponjosa" (com a formação do que é conhecido como pannus sinovial) e através da libertação de várias substâncias que causam perda de cartilagem articular e óssea. Nos Raios-x, aparecem como que buracos no osso que são designados por erosões ósseas. A manutenção prolongada da posição antálgica causa atrofia muscular (perda muscular), alongamento ou retração dos músculos e dos tecidos moles causando deformações em flexão.
2.1 Existem tipos diferentes da doença?
Existem várias formas de AIJ. Distinguem-se principalmente pelo número de articulações afetadas (AIJ oligoarticular ou poliarticular) e pela presença de outros sintomas tais como febre, erupções cutâneas e outros (ver os parágrafos abaixo). O diagnóstico das diversas formas é efetuado através da observação dos sintomas durante os primeiros 6 meses da doença. Por este motivo, são também frequentemente designadas por "formas de início".
2.1.1 AIJ sistémica
Sistémico significa que, além da artrite, podem estar envolvidos vários órgãos do corpo.
A AIJ sistémica caracteriza-se pela presença de febre, erupção cutânea (manchas na pele) e inflamação intensa de vários órgãos do corpo, a qual pode aparecer antes da artrite ou durante a evolução da artrite. Existe febre alta prolongada e erupção cutânea que aparece principalmente durante os picos de febre. Outros sintomas podem incluir dores musculares, aumento do fígado, baço ou gânglios linfáticos e inflamação das membranas em redor do coração (pericardite) e dos pulmões (pleurite). Geralmente, a artrite envolve 5 ou mais articulações, pode existir no início da doença ou pode aparecer apenas mais tarde. A doença pode afetar meninos e meninas de qualquer idade, mas é especialmente comum em bebés e crianças em idade pré-escolar.
Cerca de metade dos doentes têm períodos limitados de febre e artrite; estes doentes tendem a ter o melhor prognóstico a longo prazo. Na outra metade, muitas vezes a febre tende a diminuir progressivamente, enquanto a artrite se torna mais importante e por vezes difícil de tratar. Numa minoria destes doentes, a febre e a artrite persistem juntos. A AIJ sistémica constitui menos de 10% de todos os casos de AIJ. É típica na infância e raramente observada em adultos.
2.1.2 AIJ poliarticular
A AIJ poliarticular caracteriza-se pelo envolvimento de 5 ou mais articulações durante os primeiros 6 meses da doença na ausência de febre. Existem análises sanguíneas que avaliam o Fator Reumatoide (FR) que podem distinguir dois tipos: AIJ com FR negativo e AIJ com FR positivo.
AIJ poliarticular com FR positivo: esta forma é muito rara em crianças (menos de 5% de todos os doentes com AIJ). É considerada o equivalente à artrite reumatoide com FR positivo do adulto (o tipo mais comum de artrite crónica em adultos). Causa frequentemente artrite simétrica afetando, no início, principalmente as pequenas articulações das mãos e dos pés e estendendo-se posteriormente para as outras articulações. É muito mais frequente no sexo feminino do que no masculino e inicia-se geralmente após os 10 anos de idade. Constitui habitualmente uma forma grave de artrite.
AIJ poliarticular com FR negativo: esta forma representa 15-20% de todos os casos de AIJ. Pode afetar crianças de qualquer idade. Qualquer articulação pode ser afetada, e geralmente as grandes e pequenas articulações ficam inflamadas.
Para ambas as formas, o tratamento deve ser planeado precocemente, logo que o diagnóstico é confirmado. Pensa-se que o tratamento precoce e adequado leva a melhores resultados. No entanto, a resposta ao tratamento é difícil de prever nas suas fases iniciais. A resposta ao tratamento varia muito de criança para criança.
2.1.3 AIJ oligoarticular (persistente ou estendida)
A AIJ oligoarticular é o subtipo mais frequente de AIJ, representando quase 50% de todos os casos. Caracteriza-se pela presença de menos de 5 articulações envolvidas durante os primeiros 6 meses de doença, na ausência de sintomas sistémicos. Afeta grandes articulações (tais como os joelhos e tornozelos) de forma assimétrica. Por vezes apenas uma articulação é afetada (forma monoarticular). Em alguns doentes, o número de articulações afetadas aumenta para 5 ou mais após os primeiros 6 meses de doença; designa-se por oligoartrite estendida. Se o número de articulações envolvidas durante a evolução da doença for inferior a 5, esta forma é identificada como oligoartrite persistente.
A oligoartrite tem início geralmente antes dos 6 anos de idade e é mais frequente no sexo feminino. Com o tratamento apropriado, o prognóstico articular é frequentemente bom nos doentes em que a doença permanece limitada a poucas articulações, sendo mais variável nos doentes que desenvolvem uma extensão do envolvimento articular em poliartrite.
Uma proporção significativa dos doentes pode desenvolver complicações oculares, tais como a inflamação da parte anterior do globo ocular (uveíte anterior), uma camada com vasos sanguíneos que envolve o olho. Uma vez que a parte anterior da úvea é formada pela íris e pelo corpo ciliar, a complicação é designada por iridociclite crónica ou uveíte anterior crónica. Na AIJ, esta é uma condição crónica que se desenvolve internamente, sem causar quaisquer sintomas evidentes (tais como dor ou vermelhidão do olho). Se não for diagnosticada e tratada, a uveíte anterior progride e pode causar lesões muito graves no olho. O diagnóstico precoce desta complicação é, portanto, extremamente importante. Uma vez que o olho não fica vermelho e a criança não se queixa de visão turva, a uveíte anterior pode não ser detetada nem pelos pais nem pelos médicos. Os fatores de risco para o desenvolvimento de uveíte são o início precoce de AIJ e anticorpos antinucleares positivos (ANA).
Como tal, é imperativo que as crianças com risco elevado de sofrerem desta complicação sejam observadas periodicamente por um oftalmologista, utilizando um aparelho especial, designado por lâmpada de fenda. A frequência dos exames oftalmológicos é geralmente a cada 3 meses e deve ser mantida a longo prazo.
2.1.4 Artrite psoriásica
A artrite psoriásica caracteriza-se pela presença de artrite associada a psoríase. A psoríase é uma doença inflamatória da pele com placas de pele vermelha com descamação localizadas frequentemente nos cotovelos e joelhos. Por vezes, apenas as unhas são afetadas pela psoríase ou existe uma história familiar de psoríase. A doença da pele pode iniciar-se antes ou depois do início da artrite. Os sinais típicos sugestivos deste subtipo de AIJ incluem inchaço de todas as articulações dos dedos das mãos ou dos pés (designado por dedos em "salsicha" ou dactilite) e alterações nas unhas (picotado ungueal). A psoríase também pode estar presente num familiar de primeiro grau (pais ou irmãos). Pode desenvolver-se uveíte anterior crónica e, como tal, são recomendados controlos oftalmológicos periódicos.
O prognóstico da doença varia, uma vez que a resposta ao tratamento pode ser diferente na doença articular e na doença da pele. Se uma criança tiver artrite em menos de 5 articulações, o tratamento é o mesmo que o aplicado ao tipo oligoarticular. Se a criança tiver mais de 5 articulações afetadas, o tratamento é o mesmo que o aplicado para as formas poliarticulares. A diferença pode estar relacionada com a resposta ao tratamento tanto da artrite como da psoríase.
2.1.5 Artrite associada a entesite
As manifestações mais comuns são artrite, que afeta principalmente as grandes articulações dos membros inferiores e a entesite. Entesite significa inflamação da "entese", o ponto de inserção dos tendões nos ossos (o calcanhar é um exemplo de entese). Uma inflamação localizada nesta área está geralmente associada a uma dor intensa. A entesite está mais frequentemente localizada na parte inferior e sobre a parte anterior dos calcanhares, onde os tendões de Aquiles se inserem. Por vezes, estes doentes desenvolvem uveíte anterior aguda. Ao contrário das outras formas de AIJ, os doentes apresentam geralmente os olhos vermelhos e lacrimejantes (lacrimação) e aumento da sensibilidade à luz. A maioria dos doentes são positivos para um teste laboratorial designado HLA B27: este testa a predisposição familiar para a doença. Esta forma afeta predominantemente o sexo masculino e tem início após os 6 anos de idade. A evolução desta forma é variável. Em alguns doentes, a doença desaparece, enquanto em outros também progride para a parte inferior da coluna vertebral e para as articulações situadas na bacia, as articulações sacro-ilíacas, limitando os movimentos de dobrar as costas. A dor lombar no início da manhã associada à rigidez é altamente sugestiva de inflamação das articulações da coluna vertebral. Na verdade, esta forma assemelha-se a uma doença da coluna vertebral que ocorre nos adultos designada espondilite anquilosante.
2.2 O que causa a iridociclite crónica? Existe alguma relação com a artrite?
A inflamação do olho (iridociclite) é causada por uma resposta imunitária anormal contra o olho. No entanto, os mecanismos exatos são desconhecidos. Esta complicação é observada principalmente nos doentes com início precoce de AIJ e com um teste de ANA positivo.
Os fatores que associam a doença ocular à articular são desconhecidos. No entanto, é importante recordar que a artrite e a iridociclite podem ter evoluções independentes, pelo que os exames periódicos com a lâmpada de fenda devem ser continuados mesmo que a artrite entre em remissão, uma vez que a inflamação ocular pode ter uma recidiva sem sintomas, e mesmo quando a artrite está melhor. A evolução da iridociclite caracteriza-se por agravamentos periódicos, que também são independentes dos da artrite.
A iridociclite inicia-se geralmente após a artrite ou pode ser detetada simultaneamente. Mais raramente pode mesmo preceder o início da artrite. Estes são geralmente os casos piores. Uma vez que a doença é assintomática, o diagnóstico tardio pode resultar em alterações visuais significativas.
2.3 A doença nas crianças é diferente da doença nos adultos?
Maioritariamente sim. A forma poliarticular com FR positivo, que é responsável por cerca de 70% dos casos de artrite reumatoide em adultos, representa menos de 5% dos casos de AIJ. A forma oligoarticular com início precoce representa cerca de 50% dos casos de AIJ e não é observada em adultos. A artrite sistémica é característica das crianças sendo raramente observada em adultos.
3.1 Que testes laboratoriais são necessários?
No momento do diagnóstico, determinados testes laboratoriais são úteis, em associação com exames das articulações e observações oftalmológicas, para definir melhor qual o tipo de AIJ e identificar doentes que apresentam risco de desenvolver complicações específicas tais como iridociclite crónica.
O fator reumatoide (FR) é um teste laboratorial que deteta auto-anticorpos, o qual, se for positivo e persistente em alta concentração, indica o subtipo de AIJ.
Os anticorpos antinucleares (ANA) são testes frequentemente positivos em doentes com AIJ oligoarticular precoce. Esta população de doentes com AIJ apresenta um risco elevado de desenvolver iridociclite (uveíte) crónica e, como tal, deve agendar exames oftalmológicos com lâmpada de fenda (a cada três meses).
O HLA-B27 é um marcador celular que é positivo em cerca de 80% dos doentes com artrite associada a entesite. Apenas é positivo em 5-8% dos indivíduos saudáveis.
Outros exames, tais como a velocidade de sedimentação eritrocitária (VS) ou doseamento da proteína C reativa (PCR) que medem o grau de inflamação geral são úteis. No entanto, o diagnóstico, assim como as decisões de tratamento, baseiam-se muito mais nas manifestações clínicas do que nos testes laboratoriais.
Dependendo do tratamento, os doentes podem necessitar de testes periódicos (tais como a contagem de células sanguíneas ou Hemograma, testes da função renal e hepática) para verificar a existência de efeitos secundários do tratamento e para avaliar a toxicidade dos medicamentos que podem não causar nenhum sintoma. A inflamação nas articulações é avaliada principalmente através do exame clínico e, por vezes, através de estudos de imagiologia tais como a ecografia. Radiografias ou ressonâncias magnéticas (RM) periódicas podem ser úteis para avaliar a saúde e o crescimento dos ossos e, como tal, adaptar o tratamento.
3.2 Como pode ser tratada?
Não existe nenhum tratamento específico para curar a AIJ. O objetivo do tratamento é aliviar a dor, a fadiga e a rigidez, prevenir danos nas articulações e nos ossos, minimizar deformações e melhorar a mobilidade impedindo o crescimento e desenvolvimento de todos os tipos de artrite. Nos últimos dez anos, fizeram-se avanços consideráveis no tratamento da AIJ com a introdução de medicamentos conhecidos como agentes biológicos. No entanto, algumas crianças podem ser "resistentes ao tratamento", o que significa que, apesar do tratamento, a doença ainda permanece ativa e as articulações inflamadas. Existem algumas diretrizes para decidir o tratamento, embora o tratamento deva ser individualizado para cada criança. A participação dos pais na decisão de tratamento e a adesão ao mesmo são muito importantes.
O tratamento baseia-se principalmente na utilização de medicamentos que inibem a inflamação sistémica e/ou articular e em procedimentos de reabilitação que preservem a função da articulação e contribuam para a prevenção de deformações.
O tratamento é bastante complexo e requer muitas vezes a cooperação de diferentes especialistas (reumatologista pediátrico, cirurgião ortopédico, terapeuta físico e ocupacional, oftalmologista).
A secção seguinte descreve as atuais estratégias de tratamento da AIJ. Poderá encontrar mais informações sobre medicamentos específicos na secção Terapia Medicamentosa. Tenha em consideração que cada país dispõe de uma lista de medicamentos aprovados; como tal, os medicamentos listados não estão todos disponíveis em todos os países.
Medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides (AINEs)
Os medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides (
AINEs) têm sido tradicionalmente o principal tratamento de todas as formas de artrite idiopática juvenil (AIJ) e de outras doenças reumáticas pediátricas. São medicamentos anti-inflamatórios sintomáticos e anti-piréticos (para baixar a febre). Sintomáticos significa que não podem induzir a remissão da doença, mas ajudam a controlar os sintomas devidos à inflamação. Os mais amplamente utilizados são o naproxeno e o ibuprofeno; a aspirina, embora eficaz e barata, é atualmente muito menos utilizada, principalmente devido ao seu risco de toxicidade (efeitos sistémicos no caso de níveis elevados no sangue, toxicidade hepática especialmente na AIJ sistémica). Os AINEs são geralmente bem tolerados e o desconforto gástrico, o efeito secundário mais comum nos adultos, é pouco comum nas crianças. Ocasionalmente, um AINE pode ser eficaz onde outro falhou. A associação entre diferentes AINEs não é indicada. O efeito máximo na inflamação das articulações ocorre após várias semanas de tratamento.
Injeções intra-articulares
Se existirem uma ou mais articulações com atividade intensa, que estejam a inibir o movimento normal da articulação e/ou que sejam muito dolorosas para a criança, são utilizadas injeções intra-articulares. O medicamento injetado é uma preparação de corticosteroides de ação prolongada. O hexacetonido de triancinolona é o preferido devido ao seu efeito prolongado (frequentemente durante muitos meses). A sua absorção na circulação sistémica é mínima. É o tratamento de eleição para a doença oligoarticular e complementar para as outras formas. Esta forma de tratamento pode ser repetida várias vezes na mesma articulação. A injeção articular pode ser efetuada com anestesia local ou geral (geralmente nas crianças mais novas), dependendo da idade da criança, do tipo de articulação e do número de articulações a ser injetadas. Geralmente, não se recomendam mais de 3-4 injeções por ano na mesma articulação.
Geralmente, as injeções articulares são associadas com outro tratamento para alcançar uma rápida melhoria da dor e da rigidez, se necessário, ou até que outros medicamentos comecem a surtir efeito.
Medicamentos de segunda linha
Os medicamentos de segunda linha são indicados para crianças com poliartrite progressiva além do tratamento adequado com AINEs e injeções de corticosteroides. Os medicamentos de segunda linha são geralmente adicionados ao tratamento anterior com AINEs, o qual é normalmente continuado. O efeito da maioria dos medicamentos de segunda linha apenas se torna totalmente evidente após várias semanas ou meses de tratamento.
Metotrexato
Não existem dúvidas de que o
metotrexato representa o medicamento de segunda linha de eleição em todo o mundo para crianças com AIJs. Vários estudos provaram a sua eficácia, assim como o seu perfil de segurança durante até vários anos de administração do medicamento. A literatura médica estabeleceu a dose máxima eficaz (15 mg por metro quadrado tanto por via oral como por via parentérica, através de injecções subcutâneas). Como tal, o metotrexato administrado semanalmente é o medicamento de primeira escolha, especialmente em crianças com AIJ poliarticular. É eficaz na maioria dos doentes. Tem atividade anti-inflamatória mas também é capaz, em alguns doentes e através de mecanismos desconhecidos, de reduzir a progressão da doença ou até mesmo induzir a remissão da doença. É geralmente bem tolerado. A intolerância gástrica (enjoos ou náuseas) e o aumento dos níveis das transaminases hepáticas representam os efeitos secundários mais comuns. Durante o tratamento, é necessário monitorizar a potencial toxicidade através de exames laboratoriais periódicos.
O metotrexato encontra-se atualmente aprovado para utilização nas AIJs em muitos países de todo o mundo. Recomenda-se também a combinação do tratamento com metotrexato com ácido fólico ou ácido folínico, uma vitamina que reduz o risco de efeitos secundários, especialmente na função hepática.
Leflunomida
A leflunomida é uma alternativa ao metotrexato, especialmente para as crianças que não toleram o metotrexato. A
Leflunomida é administrada sob a forma de comprimidos e este tratamento foi estudado na AIJ e a sua eficácia foi comprovada. No entanto, este tratamento é mais caro do que o tratamento com metotrexato.
Salazopirina e ciclosporina
Outros medicamentos não-biológicos, tais como a salazopirina, também demonstraram ser eficazes na AIJ, mas geralmente têm uma tolerância inferior à demonstrada com o metotrexato. A experiência com a salazopirina é muito mais limitada em comparação à existente com o metotrexato. Até à data, não foram realizados nenhuns estudos adequados na AIJ para avaliar a eficácia de outros medicamentos potencialmente úteis tais como a
ciclosporina. A salazopirina e a ciclosporina são atualmente menos utilizados, pelo menos nos países onde a disponibilidade de agentes biológicos está mais difundida. A ciclosporina é um medicamento importante, em associação com os corticosteroides, para o tratamento da síndrome de ativação macrofágica em crianças com AIJ sistémica. Esta é uma complicação grave e potencialmente fatal da AIJ sistémica, a qual é secundária a uma ativação geral maciça do processo inflamatório.
Corticosteroides
Os corticosteroides são os medicamentos anti-inflamatórios disponíveis mais eficazes, mas a sua utilização é limitada porque, a longo prazo, estão associados a vários efeitos secundários significativos, incluindo osteoporose e atrasos de crescimento. No entanto, os
corticosteroides são importantes para o tratamento de sintomas sistémicos resistentes a outros tratamentos, para o tratamento de complicações sistémicas com risco de vida e como um medicamento que ajuda a controlar a doença aguda enquanto se espera que os medicamentos de segunda linha sejam eficazes.
Utilizam-se corticosteroides tópicos (colírios oculares) no tratamento da iridociclite. Em casos mais graves, podem ser necessárias injeções peribulbares (dentro do globo ocular) de corticosteroides ou a administração de corticosteroides sistémicos.
Agentes biológicos
Nos últimos anos foram introduzidas novas perspetivas com medicamentos conhecidos como
agentes biológicos. Os médicos utilizam este termo para os medicamentos produzidos através de engenharia biológica, os quais, ao contrário do metotrexato ou da leflunomida, são direcionados principalmente contra moléculas específicas (fator de necrose tumoral ou TNF, interleucina 1, interleucina 6 ou moléculas estimulatórias de células T). Os agentes biológicos foram identificados como meios importantes para bloquear o processo inflamatório típico da AIJ. Existem atualmente vários agentes biológicos quase todos aprovados especificamente para utilização na AIJ (ver legislação pediátrica abaixo).
Medicamentos anti-TNF
Os medicamentos anti-TNF são agentes que bloqueiam seletivamente o TNF, um mediador essencial do processo inflamatório. São utilizados isoladamente ou em associação com o metotrexato e são eficazes na maioria dos doentes. O seu efeito é bastante rápido e a sua segurança, até à data, demonstrou ser boa, pelo menos durante alguns anos de tratamento (ver a secção de segurança abaixo). No entanto, são necessários acompanhamentos mais longos para estabelecer possíveis efeitos secundários a longo prazo. Os agentes biológicos para a AIJ, incluindo vários tipos de bloqueadores do TNF, são os utilizados mais amplamente e diferem consideravelmente em termos do método e frequência de administração. Por exemplo, o etanercept é administrado por via subcutânea uma vez ou duas por semana, o adalimumab é administrado por via subcutânea a cada 2 semanas e o infliximab é administrado por infusão intravenosa mensal. Ainda existem outros sob investigação (por exemplo, o golimumab e o certolizumab pegol) em crianças e existem outras moléculas a ser estudadas em adultos, as quais poderão ficar disponíveis no futuro para as crianças.
Geralmente, as terapêuticas anti-TNF são utilizadas na maioria das categorias das AIJs, com exceção da oligoartrite persistente, a qual geralmente não é tratada com agentes biológicos. Têm indicações mais limitadas na AIJ sistémica, na qual são normalmente utilizados outros agentes biológicos, tais como anti-IL-1 (anakinra e canacinumab) ou anti-IL-6 (tocilizumab). Os agentes anti-TNF são utilizados isoladamente ou em combinação com o metotrexato. Tal como todos os outros medicamentos de segunda linha, devem ser administrados sob rigoroso controlo médico.
Anti CTL4Ig (abatacept)
O abatacept é um medicamento com um mecanismo de ação diferente direcionado contra alguns glóbulos brancos designados linfócitos T. Atualmente, pode ser utilizado para tratar crianças com poliartrite que não respondem ao metotrexato ou a outros agentes biológicos.
Anti-interleucina 1 (anakinra e canacinumab) e anti-interleucina 6 (tocilizumab)
Estes medicamentos são especificamente úteis no tratamento da AIJ sistémica. Normalmente, o tratamento da AIJ sistémica é iniciado com corticosteroides. Embora eficazes, os corticosteroides estão associados a efeitos secundários graves a longo prazo, especialmente sobre o crescimento. Como tal, quando não conseguem controlar a atividade da doença num curto período de tempo (normalmente alguns meses), os médicos adicionam os medicamentos anti-IL-1 (anakinra ou canacinumab) ou anti-IL-6 (tocilizumab) para tratar tanto a manifestação sistémica (febre) como a artrite. Nas crianças com AIJ sistémica, por vezes as manifestações sistémicas desaparecem espontaneamente, mas a artrite persiste. Nestes casos, poderá ser introduzido o metotrexato, isoladamente ou em combinação com um anti-TNF ou o abatacept. O tocilizumab pode ser utilizado na AIJ sistémica e poliarticular. A sua eficácia foi comprovada inicialmente na AIJ sistémica e posteriormente na AIJ poliarticular, e pode ser utilizado em doentes que não respondem ao metotrexato ou a outros agentes biológicos.
Outros tratamentos complementares
Reabilitação
A reabilitação é um componente essencial do tratamento. Inclui exercícios apropriados, assim como, quando indicado, a utilização de talas para as articulações de modo a manter o alinhamento destas numa posição confortável para evitar dor, rigidez, contraturas musculares e deformações das articulações. Deve ser iniciada precocemente e realizada de forma rotineira para melhorar ou manter saudáveis os músculos e as articulações.
Cirurgia ortopédica
As principais indicações para cirurgia ortopédica são a substituição protética das articulações (principalmente próteses das ancas e joelhos) no caso de destruição articular e libertação cirúrgica dos tecidos moles no caso de contraturas permanentes.
3.3 E os tratamentos não convencionais/complementares?
Existem muitos tratamentos complementares e alternativos disponíveis e isto pode ser confuso para os doentes e para as suas famílias. Avalie cuidadosamente os riscos e os benefícios de experimentar estes tratamentos uma vez que existem poucos benefícios comprovados e podem ser dispendiosos, tanto em termos de tempo, fardo para a criança e financeiros. Se pretender saber mais sobre tratamentos complementares e alternativos, discuta essas opções com o seu reumatologista pediátrico. Alguns tratamentos podem interagir com os medicamentos convencionais e nenhum tem eficácia comprovada cientificamente. A maioria dos médicos não se oporá a tratamentos alternativos, desde que siga as indicações médicas. É muito importante não parar de tomar os medicamentos receitados. Quando são necessários medicamentos, tais como corticosteroides, para manter a doença sob controlo, pode ser muito perigoso parar de os tomar caso a doença ainda esteja ativa. Fale com o médico do seu filho sobre preocupações que tenha em relação à medicação.
3.4 Quando é que os tratamentos devem começar?
Atualmente, existem recomendações nacionais e internacionais que ajudam os médicos e as famílias a escolher o tratamento.
O Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology) (ACR em www.rheumatology.org) publicou recentemente recomendações internacionais, e a Sociedade Europeia de Reumatologia Pediátrica (Paediatric Rheumatology European Society) (PRES em www.pres.org.uk) está também a preparar outras recomendações. A SPR - Sociedade Portuguesa de Reumatologia (www.spreumatologia.pt) também tem recomendações aprovadas e atualizadas para o tratamento das AIJs em Portugal.
De acordo com estas recomendações, as crianças com uma doença menos grave (poucas articulações envolvidas) são geralmente tratadas principalmente com AINEs e injeções de corticosteroides.
Nas crianças com AIJ mais grave (várias articulações envolvidas), é administrado inicialmente metotrexato (ou leflunomida em menor quantidade) e se não for suficiente, é adicionado um agente biológico (principalmente um anti-TNF), isoladamente ou em combinação com o metotrexato. Nas crianças resistentes ou intolerantes ao tratamento com metotrexato ou com agentes biológicos, pode ser utilizado outro agente biológico (outro anti-TNF ou abatacept).
3.5 E em relação à legislação pediátrica, sobre a utilização de medicamentos indicados e sem indicação e futuras possibilidades terapêuticas?
Até há 15 anos atrás, todos os medicamentos utilizados para tratar a AIJ e muitas outras doenças pediátricas não foram devidamente estudados em crianças. Isto significa que os médicos estavam a receitar medicamentos com base na sua experiência pessoal ou em estudos realizados em doentes adultos.
Na verdade, no passado, a realização de ensaios clínicos em reumatologia pediátrica era difícil, principalmente devido à falta de financiamento para estudos em crianças e à falta de interesse das empresas farmacêuticas no pequeno e não-gratificante mercado pediátrico. Há alguns anos a situação mudou drasticamente, devido à introdução do Best Pharmaceuticals for Children Act (Decreto-lei dos Melhores Medicamentos Para Crianças) nos EUA e de legislação específica para o desenvolvimento de medicamentos pediátricos (Regulamento Pediátrico) na União Europeia (UE). Estas iniciativas forçaram essencialmente as empresas farmacêuticas a estudar também os medicamentos nas crianças.
As iniciativas dos EUA e da UE, juntamente com 2 grandes redes, a Paediatric Rheumatology International Trials Organisation – Organização International de Ensaios Clínicos em Reumatologia Pediátrica (PRINTO em www.printo.it), que reúne mais de 50 países em todo o mundo e o Paediatric Rheumatology Collaborative Study Group (Grupo Colaborativo de Estudo da Reumatologia Pediátrica) (PRCSG em www.prcsg.org), sedeado na América do Norte, tiveram um impacto positivo no desenvolvimento da reumatologia pediátrica, em particular no desenvolvimento de novos tratamentos para crianças com AIJ. Centenas de famílias de crianças com AIJ tratadas pelos centros PRINTO ou PRCSG em todo o mundo, participaram nestes ensaios clínicos, permitindo que todas as crianças com AIJ sejam tratadas com medicamentos estudados especificamente para elas. Por vezes, a participação nestes estudos requer a utilização de placebo (ou seja, um comprimido ou uma infusão sem nenhuma substância ativa) para ter a certeza de que o medicamento em estudo tem mais benefícios do que malefícios.
Devido a esta importante investigação, existem atualmente vários medicamentos aprovados especificamente para a AIJ. Isto significa que as autoridades regulamentares, tais como a Agência Americana dos Medicamentos e da Alimentação (Food and Drug Administration)(FDA), a Agência Europeia de Medicamentos (European Medicine Agency)(EMA) e várias autoridades nacionais reviram as informações científicas provenientes de ensaios clínicos e permitiram que as empresas farmacêuticas indicassem no rótulo dos seus medicamentos que estes são eficazes e seguros para as crianças.
A lista de medicamentos aprovados especificamente para a AIJ incluem o metotrexato, etanercept, adalimumab, abatacept, tocilizumab e o canacinumab.
Vários outros medicamentos estão atualmente a ser estudados em crianças, pelo que o seu médico poderá pedir-lhe que o seu filho participe nesses estudos.
Existem outros medicamentos que não estão formalmente aprovados para utilização na AIJ, tais como vários medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides, azatioprina, ciclosporina, anakinra, infliximab, golimumab e certolizumab pegol. Estes medicamentos podem ser utilizados mesmo sem uma indicação aprovada (a designada utilização off-label) e o seu médico pode propor a sua utilização, especialmente se não existir nenhum outro tratamento disponível.
3.6 Quais são os principais efeitos secundários do tratamento?
Os medicamentos utilizados no tratamento da AIJ são geralmente bem tolerados. A intolerância gástrica, o efeito secundário mais frequente dos
AINEs (que, como tal, devem ser tomados juntamente com alimentos), é menos comum nas crianças do que nos adultos. Os AINEs podem provocar um aumento nos níveis de algumas enzimas hepáticas no sangue, mas este é um evento mais comum com a Aspirina que com outros medicamentos.
O
metotrexato é também bem tolerado. Contudo, os efeitos secundários gastrointestinais, tais como náuseas e vómitos, são bastante comuns. Para monitorizar a possível toxicidade é importante monitorizar as enzimas hepáticas e recorrer a hemogramas de rotina. A anomalia laboratorial mais frequente é um aumento das enzimas hepáticas, o qual normaliza com a descontinuação do medicamento, ou com a redução da dose de metotrexato. A administração de ácido fólico ou folínico é eficaz na redução da frequência de toxicidade hepática. Ocorrem raramente reações de hipersensibilidade ao metotrexato.
A salazopirina é razoavelmente bem tolerada. Os efeitos secundários mais frequentes incluem erupção cutânea, distúrbios gastrintestinais, hipertransaminasemia (toxicidade hepática), leucopenia (diminuição do número de glóbulos brancos, levando ao risco de infeções). Tal como com o metotrexato, são portanto necessários testes laboratoriais de rotina.
A utilização prolongada de corticosteroides em dose elevada está associada a vários efeitos secundários importantes. Estes incluem atrasos de crescimento e osteoporose. Os corticosteroides em doses mais elevadas provocam um aumento acentuado do apetite, o que por sua vez, pode levar a obesidade. Como tal, é importante incentivar as crianças a comer alimentos que possam satisfazer o seu apetite sem aumentar a ingestão calórica.
Os
agentes biológicos são geralmente bem tolerados pelo menos durante os primeiros anos de tratamento. Os doentes devem ser cuidadosamente monitorizados quanto à possível ocorrência de infeções ou de outros efeitos adversos. No entanto, é importante compreender que a experiência com todos os medicamentos utilizados atualmente na AIJ é limitada em dimensão (apenas algumas centenas de crianças participaram em ensaios clínicos) e no tempo (os agentes biológicos apenas ficaram disponíveis a partir de 2000). Por estes motivos, existem atualmente vários registos de AIJ para acompanhar as crianças em tratamento com agentes biológicos a nível nacional (por exemplo, Alemanha, Reino Unido, EUA, Portugal e outros) e a nível internacional (por exemplo, Pharmachild, que é um projeto realizado pela PRINTO e pela PRES) com o objetivo de monitorizar de perto as crianças com AIJ e ver se ocorrem eventos de segurança a longo prazo (vários anos após os medicamentos terem sido administrados).
3.7 Quanto tempo deve o tratamento durar?
O tratamento deve durar enquanto a doença persistir. A duração da doença é imprevisível. Na maioria dos casos, a AIJ entra em remissão espontânea após uma evolução que varia entre alguns a muitos anos. A evolução da AIJ caracteriza-se muitas vezes por remissões e exacerbações periódicas, que levam a alterações importantes no tratamento. A descontinuação total do medicamento é considerada apenas após a artrite estar inativa durante um longo período de tempo (6 a 12 meses ou mais). No entanto, não existe nenhuma informação definitiva sobre a possível recidiva da doença assim que um medicamento é interrompido. Geralmente, os médicos acompanham as crianças com AIJ até estas se tornarem adultos, mesmo que a artrite esteja inativa.
3.8 Exame oftalmológico (exame de lâmpada de fenda): com que frequência e durante quanto tempo?
Nos doentes de risco (especialmente se forem ANA positivos), o exame com lâmpada de fenda deve ser realizado, pelo menos, a cada três meses. Os doentes que desenvolverem iridociclite devem efetuar exames com maior frequência, dependendo da gravidade do envolvimento ocular determinado durante as consultas de oftalmologia.
O risco de desenvolvimento de iridociclite ou uveíte diminui com o tempo. No entanto, a iridociclite também se pode desenvolver muitos anos após o início da artrite. Como tal, é prudente efetuar exames oftalmológicos durante muitos anos, mesmo que a artrite esteja em remissão.
A uveíte aguda, a qual pode surgir em doentes com artrite e entesite, é sintomática (olhos vermelhos, dor nos olhos e sensibilidade à luz ou fotofobia). Caso alguns destes sintomas surjam, é necessário recorrer imediatamente a um oftalmologista. Ao contrário da iridociclite, não existe necessidade de exames periódicos com a lâmpada de fenda para o diagnóstico precoce.
3.9 Qual é a evolução a longo prazo (prognóstico) da artrite?
O prognóstico da artrite melhorou significativamente ao longo dos anos, mas ainda depende da gravidade e da forma clínica da AIJ e do tratamento precoce e adequado. Existe uma investigação em curso para desenvolver novos medicamentos e agentes biológicos e também para tornar o tratamento disponível a todas as crianças. O prognóstico da artrite melhorou consideravelmente nos últimos dez anos. De um modo geral, cerca de 40% das crianças ficará sem medicação e sem sintomas (remissão) entre 8-10 anos após o aparecimento da doença. As maiores taxas de remissão são obtidas nos tipos oligoarticular persistente e sistémica.
A AIJ sistémica tem um prognóstico variável. Cerca de metade dos doentes apresenta poucos sinais de artrite e a doença caracteriza-se principalmente por exacerbações periódicas. Nestes casos, o prognóstico final é geralmente bom, uma vez que a doença entra frequentemente em remissão de forma espontânea. Na outra metade dos doentes, a doença caracteriza-se por artrite persistente enquanto os sintomas sistémicos tendem a desaparecer com os anos. Neste subconjunto de doentes pode desenvolver-se destruição articular grave. Por fim, numa pequena minoria deste segundo grupo de doentes, os sintomas sistémicos persistem juntamente com o envolvimento articular. Estes doentes têm o pior prognóstico e podem desenvolver amiloidose, uma complicação grave que requer tratamento imunossupressor. O progresso do tratamento biológico alvo com anti-IL-6 (tocilizumab) e anti-IL-1 (anakinra e canacinumab) irá provavelmente melhorar muito o prognóstico a longo prazo.
A AIJ poliarticular com FR positivo tem, com maior frequência, um envolvimento articular progressivo, o qual pode causar lesões graves nas articulações. Esta forma é o equivalente na infância da artrite reumatoide com FR positivo dos adultos.
A AIJ poliarticular com FR negativo é complexa, tanto ao nível das manifestações clínicas como no prognóstico. No entanto, o prognóstico geral é muito melhor do que o da AIJ poliarticular com FR positivo; apenas cerca de um quarto dos doentes desenvolve lesões articulares.
A AIJ oligoarticular tem frequentemente um bom prognóstico articular quando a doença permanece limitada a poucas articulações (designada por oligoartrite persistente). Os doentes nos quais a doença articular se estende para envolver várias articulações (oligoartrite estendida) têm um prognóstico semelhante ao dos doentes com AIJ poliarticular com FR negativo.
Muitos doentes com AIJ psoriática têm uma doença semelhante à AIJ oligoarticular, enquanto outros são semelhantes à artrite psoriática nos adultos.
A AIJ associada a entesopatia também tem um prognóstico variável. Em alguns doentes a doença entra em remissão, enquanto noutros a doença progride e pode envolver as articulações sacroilíacas.
Atualmente, na fase inicial da doença, não existem resultados clínicos ou laboratoriais fiáveis disponíveis e os médicos não podem prever que doente terá o pior prognóstico. A existência destes marcadores seria de considerável importância clínica uma vez que permitiriam identificar os doentes aos quais deveria ser prescrito um tratamento mais agressivo desde o início da doença. Outros marcadores laboratoriais estão ainda a ser estudados para prever qual é o momento certo para parar o tratamento com metotrexato ou com agentes biológicos.
3.10 E o prognóstico da iridociclite (uveíte)?
Se não for tratada, a iridociclite pode ter consequências muito graves, incluindo problemas como turvação do cristalino (catarata) e cegueira. No entanto, se tratados nas suas fases iniciais, estes sintomas geralmente desaparecem com o tratamento que consiste na aplicação de colírios para controlar a inflamação e dilatar as pupilas. Se não for possível controlar os sintomas utilizando colírios, pode ser prescrito o tratamento com agentes biológicos. No entanto, ainda não existe nenhuma evidência clara que sugira a melhor opção para o tratamento da iridociclite grave, devido à resposta variável ao tratamento de criança para criança. Como tal, o diagnóstico precoce é o principal determinante do prognóstico. As cataratas também podem ser uma consequência do tratamento a longo prazo com corticosteroides, especialmente em doentes com AIJ sistémica.
4.1 A alimentação pode influenciar a evolução da doença?
Não existem evidências de que a alimentação possa influenciar a doença. De um modo geral, a criança deve seguir uma alimentação variada e adequada para a sua idade. Os doentes tratados com corticosteroides devem evitar comer em excesso, uma vez que estes medicamentos aumentam o apetite. Durante o tratamento com corticosteroides deve evitar-se a ingestão de alimentos com grande quantidade de calorias e elevado teor de sódio, mesmo se a criança estiver a ser tratada com uma dose baixa.
4.2 O clima pode influenciar a evolução da doença?
Não existem evidências de que o clima possa afetar as manifestações da doença. No entanto, a rigidez matinal pode persistir durante mais tempo no tempo frio.
4.3 Em que medida o exercício físico e a fisioterapia podem contribuir?
O objetivo do exercício físico e da fisioterapia é permitir à criança participar normalmente em todas as atividades diárias da vida e desempenhar todas as funções sociais desejadas. Além disso, o exercício físico e a fisioterapia podem ser utilizados para incentivar uma vida ativa saudável. Para conseguir alcançar estes objetivos, é um pré-requisito ter músculos e articulações saudáveis. O exercício físico e a fisioterapia podem ser utilizados para obter uma melhor mobilidade articular, estabilidade articular, flexibilidade e força muscular, coordenação e resistência (energia). Estes aspetos da saúde musculoesquelética permitem que a criança se envolva com sucesso e com segurança nas atividades escolares e extracurriculares, tais como atividades ativas de lazer e desporto. O tratamento e programas de exercício físico em casa podem ser úteis para alcançar o nível de força e aptidão física necessário.
4.4 A prática de desportos é permitida?
A prática de desportos é um aspeto essencial da vida diária de uma criança saudável. Um dos objetivos do tratamento da AIJ é permitir que as crianças tenham uma vida normal na medida do possível e não se considerem diferentes dos seus colegas e amigos. Como tal, a recomendação geral é permitir que os doentes participem em atividades desportivas acreditando que irão parar se uma articulação começar a doer, ao mesmo tempo que informam os professores de desporto, para evitar lesões desportivas, em particular nos adolescentes. Embora as atividades mais intensas não sejam benéficas para uma articulação inflamada, presume-se que as pequenas lesões que possam ocorrer são muito menores do que os danos psicológicos resultantes de serem impedidos de praticar desportos com os amigos por causa da doença. Esta escolha faz parte de uma atitude mais geral que tende a incentivar a criança a ser independente e capaz de lidar sozinha com os limites impostos pela doença.
Além destas considerações, devem ser favorecidos os desportos nos quais o stress mecânico nas articulações não exista ou seja mínimo, tais como a natação ou andar de triciclo ou bicicleta.
4.5 Uma criança com AIJ pode ir à escola com regularidade?
É extremamente importante que a criança frequente a escola com regularidade. A mobilidade limitada pode ser um problema para a criança frequentar a escola. Pode causar dificuldades em andar, menor resistência à fadiga, dor ou rigidez. Como tal, em alguns casos é importante informar os professores da escola e colegas e amigos das limitações da criança, para que lhe possam ser fornecidas condições de mobilidade, mobiliário ergonómico e ferramentas para escrever à mão ou à máquina/computador. A participação na educação física e nos desportos é incentivada de acordo com as limitações de mobilidade devido à atividade da doença. É importante que os professoras compreendam as AIJs e estejam também conscientes da evolução da doença e que podem ocorrer recaídas imprevisíveis. Podem ser necessários planos para ensino em casa. Também é importante explicar aos professores as eventuais necessidades especiais da criança: mesas adequadas, movimentos periódicos durante as aulas para evitar a rigidez articular, possíveis dificuldade na escrita. Os doentes devem participar, sempre que possível, nas aulas de ginástica. Neste caso, devem ser tidas em consideração as mesmas restrições discutidas acima no que diz respeito à prática de desportos e a sua classificação académica não deve ser prejudicada pelas suas limitações físicas..
A escola para uma criança é o que o trabalho é para um adulto. Um lugar onde aprende a tornar-se uma pessoa autónoma que é produtiva e independente. Os pais e os professores devem fazer tudo o possível para que a criança doente possa participar nas atividades escolares de uma forma normal, de modo a ter não só sucesso académico como também uma boa capacidade de comunicação com os colegas e adultos, e a ser aceite e apreciada pelos seus amigos.
4.6 As vacinas são permitidas?
Se um doente estiver a ser tratado com um tratamento imunossupressor (
corticosteroides,
metotrexato,
agentes biológicos), a vacinação com microrganismos vivos atenuados (tais como anti-rubéola, anti-sarampo, anti-parotidite, anti-poliomielite estirpe Sabin e BCG) deve ser adiada ou evitada devido ao potencial risco de disseminação de infeções como resultado da redução das defesas imunes. Idealmente, estas vacinas devem ser dadas antes de se iniciarem os tratamentos com corticosteroides, metotrexato ou agentes biológicos. As vacinas que não contêm microrganismos vivos, mas apenas proteínas infeciosas (anti-tétano, anti-difteria, anti-poliomielite estirpe Salk, anti-hepatite B, anti-tosse convulsa, anti-pneumocócica, anti-haemophilus, anti-meningocócica) podem ser administradas. O único risco é a sua ineficácia devido à condição de imunossupressão, pelo que a vacina oferece menos proteção. No entanto, é recomendável que o calendário de vacinação seja seguido nas crianças pequenas, mesmo tendo menos proteção.
4.7 Uma criança com AIJ pode ter uma vida adulta normal?
Este é um dos principais objetivos do tratamento e pode ser alcançado na maioria dos casos. O tratamento da AIJ melhorou imensamente e, com os novos medicamentos, será ainda melhor no futuro. A utilização combinada de tratamento farmacológico e reabilitação pode atualmente evitar lesões nas articulações na maioria dos doentes.
Deve também ser prestada especial atenção ao impacto psicológico da doença na criançau e na sua família. Uma doença crónica, como as AIJs, constitui um desafio difícil para toda a família e, logicamente, quanto mais grave for a doença, mais difícil será lidar com ela. Será difícil para a criança lidar adequadamente com a doença, se tal não acontecer com os seus pais. Os pais têm uma forte ligação aos seus filhos e, para evitar que tenham algum problema, podem tornar-se demasiado protetores.
Uma atitude positiva dos pais que apoiam e encorajam a criança a ser independente, tanto quanto possível, será extremamente importante para as ajudar a ultrapassar as dificuldades relacionadas com a doença, a adaptarem-se com sucesso aos seus colegas e a desenvolverem uma personalidade independente e equilibrada.
Deve ser proporcionado apoio psicológico pela equipa de reumatologia pediátrica, quando necessário.
As associações de famílias ou instituições de caridade também podem ajudar as famílias a lidar com a doença.