1.1 O que é?
A febre reumática é uma doença causada por uma infeção na garganta por uma bactéria chamada estreptococo. Existem vários grupos de estreptococos, mas apenas o grupo A provoca febre reumática. Embora a infeção estreptocócica seja uma causa muito comum de faringite (infeção na garganta) em crianças em idade escolar, nem todas as crianças com faringite irão desenvolver febre reumática. A doença pode causar inflamação e lesões irreversíveis no coração. Manifesta-se inicialmente com dor e edema das articulações de curta duração e, posteriormente, com cardite (inflamação do coração) ou com um distúrbio de movimentos anómalos involuntários (coreia) devido à inflamação cerebral. Também podem ocorrer erupções ou nódulos cutâneos.
1.2 É uma doença comum?
Antes do tratamento com antibióticos estar disponível, o número de casos era elevado nos países com climas quentes. Depois de o tratamento com antibióticos se ter tornado prática comum no tratamento da faringite, a frequência desta doença diminuiu, embora ainda afete muitas crianças entre os 5 e os 15 anos em todo o mundo, provocando doença cardíaca numa pequena proporção de casos. Devido às suas manifestações nas articulações, é incluída entre as muitas doenças reumáticas das crianças e dos adolescentes. A distribuição da febre reumática no mundo não é uniforme.
A ocorrência de febre reumática varia de país para país. Existem países onde não existem casos registados e existem países com percentagens médias ou elevadas (mais de 40 casos por 100.000 pessoas anualmente). Estima-se que existam mais de 15 milhões de casos de doença cardíaca reumática em todo o mundo, com 282.000 novos casos e 233.000 mortes anualmente.
1.3 Quais são as causas da doença?
A doença é o resultado de uma resposta imunológica anómala a uma infeção na garganta causada por Streptococcus pyogenes ou Streptococcus β-hemolítico do grupo A. Uma dor de garganta precede o início da doença, existindo um período sem sintomas que pode ser variável.
É necessário o tratamento com antibióticos para tratar a infeção na garganta, parar a estimulação do sistema imunológico e prevenir novas infeções, uma vez que novas infeções podem provocar um novo episódio da doença. O risco de repetição de um episódio é maior nos primeiros 3 anos após o início da doença.
1.4 É hereditária?
A febre reumática não é uma doença hereditária uma vez que não pode ser transmitida diretamente pelos pais aos seus filhos. No entanto, existem famílias com vários membros que desenvolveram febre reumática. Isto pode ser devido a fatores genéticos associados à possibilidade de transmissão de infeções estreptocócicas entre pessoas. A infeção estreptocócica é transmissível através das vias respiratórias altas e da saliva.
1.5 Porque razão o meu filho(a) tem esta doença? O seu aparecimento pode ser prevenido?
O ambiente e a estirpe de estreptococos são fatores importantes para o desenvolvimento da doença, mas na prática é difícil prever quem irá contrair a doença. A artrite e a inflamação cardíaca são causadas pela resposta imunitária anormal contra proteínas de estreptococos. A probabilidade de contrair a doença é maior se determinados tipos de estreptococos infetarem uma pessoa suscetível. O aglomerado de pessoas é um fator ambiental importante, uma vez que favorece a transmissão de infeções. A prevenção da febre reumática depende de um diagnóstico rápido e do tratamento com antibióticos (o antibiótico recomendado é a penicilina) da infeção da garganta causada por estreptococos em crianças saudáveis.
1.6 É infeciosa?
A febre reumática, por si só, não é infeciosa, mas a faringite estreptocócica é. Os estreptococos são transmitidos de pessoa para pessoa e, como tal, a infeção está associada ao aglomerado de pessoas em casa, nas escolas ou no ginásio. Uma lavagem cuidadosa das mãos e evitar um contacto próximo com indivíduos com infeções da garganta causadas por estreptococos é importante para impedir o contágio da doença.
1.7 Quais são os principais sintomas?
Geralmente, a febre reumática apresenta uma combinação de sintomas que podem ser únicos em cada doente. Aparece após uma faringite ou amigdalite estreptocócica não tratada com antibióticos.
Uma faringite ou amigdalite pode ser identificada pela ocorrência de febre, dor de garganta, dor de cabeça, palato e amígdalas vermelhas com exsudado purulento e gânglios linfáticos do pescoço aumentados e dolorosos. No entanto, nas crianças em idade escolar e nos adolescentes, estes sintomas podem ser muito ligeiros ou nem sequer existir. Após a infeção aguda ter passado, existe um período assintomático de 2-3 semanas. Em seguida, a criança pode apresentar febre e os sinais da doença descritos abaixo.
Artrite
A artrite afeta principalmente várias grandes articulações, em simultâneo ou passando de uma articulação para outra afetando uma ou duas de cada vez (joelhos, cotovelos, tornozelos ou ombros). Chama-se "artrite migratória e transitória". A artrite nas mãos e na coluna cervical é menos frequente. A dor nas articulações pode ser intensa apesar do edema não ser evidente. É de salientar que a dor, geralmente, diminui rapidamente após a administração de medicamentos anti-inflamatórios. A aspirina é o medicamento anti-inflamatório mais utilizado.
Cardite
A cardite (inflamação do coração) é a manifestação mais grave. Um batimento cardíaco acelerado durante o repouso ou o sono pode levantar a suspeita de cardite reumática. Um exame cardíaco alterado, com sopros cardíacos, é o principal sinal de envolvimento cardíaco. Varia de um sopro subtil a um sopro intenso que pode indicar inflamação das válvulas cardíacas, conhecida como "endocardite". Se existir uma inflamação localizada no pericárdio (membrana que envolve o coração), conhecida como "pericardite", pode acumular-se líquido em redor do coração, mas esta situação geralmente não causa nenhum sintoma e desaparece naturalmente. Nos casos mais graves de miocardite, o bombeamento cardíaco pode ficar comprometido e fraco. Pode ser reconhecido pela tosse, dor torácica e pulso e respiração aceleradas. É recomendado o encaminhamento para um cardiologista e a realização de exames complementares. A doença cardíaca valvular reumática pode ser o resultado do primeiro episódio de febre reumática, embora geralmente seja uma consequência de episódios repetidos, podendo tornar-se um problema mais tarde na vida adulta. Como tal, a prevenção é fundamental.
Coreia
O termo coreia deriva de uma palavra grega que significa dança. A coreia é um distúrbio do movimento resultante da inflamação de regiões do cérebro que controlam a coordenação dos movimentos. Afeta 10-30% dos doentes com febre reumática. Ao contrário da artrite e da cardite, a coreia aparece mais tarde durante a evolução da doença, entre 1 a 6 meses após a faringite. Os primeiros sinais nos doentes em idade escolar são uma má caligrafia, dificuldades para vestir e nos cuidados de higiene, ou inclusivamente para andar e comer, devido aos movimentos involuntários (tremores). Os movimentos podem ser suprimidos voluntariamente durante curtos períodos de tempo, podem desaparecer durante o sono ou exacerbar-se devido ao stress ou fadiga. Nos estudantes, reflete-se no rendimento académico devido à dificuldade de concentração, ansiedade e instabilidade emocional, com choro fácil. Se for subtil, pode passar despercebida ou ser considerada um distúrbio comportamental. É autolimitada, embora seja necessário tratamento de suporte e acompanhamento.
Erupções cutâneas
As manifestações menos comuns da febre reumática são as erupções cutâneas denominadas "eritema marginado", o qual se assemelha a anéis vermelhos, e "nódulos subcutâneos" que são nódulos granulares indolores e móveis, com uma cor de pele normal excessiva, geralmente observados sobre as articulações. Estes sinais estão presentes em menos de 5% dos casos e podem ser negligenciados devido à sua aparência subtil e transitória. Estes sinais não ocorrem isoladamente; ocorrem juntamente com miocardite (inflamação do músculo cardíaco). Existem outros sintomas que podem ser notados, primeiro pelos pais, tais como febre, fadiga, perda de apetite, palidez, dor abdominal e hemorragias nasais, as quais podem ocorrer nas fases iniciais da doença.
1.8 A doença é igual em todas as crianças?
A manifestação mais comum nas crianças mais velhas ou adolescentes com artrite e febre é o sopro cardíaco. Os doentes mais novos tendem a apresentar cardite e dor nas articulações menos intensa.
A coreia pode apresentar-se como a única manifestação ou pode estar combinada com cardite; no entanto, recomenda-se um acompanhamento cuidadoso e a realização de exames por um cardiologista.
1.9 A doença nas crianças é diferente da doença nos adultos?
A febre reumática é uma doença de crianças em idade escolar e jovens até aos 25 anos de idade. É rara antes dos 3 anos e mais de 80% dos doentes têm idade entre o 5 e 19 anos. No entanto, pode ocorrer mais tarde na vida se o tratamento permanente de prevenção com antibióticos não for cumprido.
2.1 Como é diagnosticada?
Os sinais clínicos e os exames complementares são especialmente importantes, uma vez que não existe nenhum sinal ou teste específico para o diagnóstico. Os sintomas clínicos de artrite, cardite, coreia, alterações cutâneas, febre, testes laboratoriais alterados, evidência de infeção estreptocócica e alterações na condução cardíaca, tal como observado num eletrocardiograma, podem ajudar a estabelecer o diagnóstico. É geralmente necessária evidência de uma infeção estreptocócica anterior para fazer o diagnóstico.
2.2 Que doenças são semelhantes à febre reumática?
Existe uma doença chamada "artrite reativa pós-estreptocócica" que também ocorre após a faringite estreptocócica, mas que apresenta artrite de longa duração e que tem um risco menor de cardite. Pode estar indicada profilaxia com antibióticos. A artrite idiopática juvenil é outra doença semelhante à febre reumática, mas a duração da artrite é superior a 6 semanas. A
doença de Lyme, leucemia, artrite reativa causada por outras bactérias ou vírus também podem apresentar artrite. Sopros inocentes (sopros cardíacos comuns sem qualquer doença cardíaca), doenças congénitas ou outras doenças cardíacas adquiridas podem ser diagnosticadas incorretamente, sendo confundidas com febre reumática.
2.3 Qual a importância dos exames complementares?
Alguns exames são essenciais para o diagnóstico e acompanhamento. As análises sanguíneas são úteis durante os episódios para confirmar o diagnóstico.
Tal como em muitas outras doenças reumáticas, os sinais de inflamação sistémica existem em quase todos os doentes, exceto nos doentes com coreia. Na maioria dos doentes, quando a doença aparece, não existe nenhum sinal de infeção na garganta e o estreptococos já foi eliminado pelo sistema imunitário. Existem análises sanguíneas para detetar anticorpos estreptocócicos, mesmo que os pais e/ou o doente não se consigam lembrar dos sintomas de infeção da garganta. Títulos (níveis) elevados destes anticorpos, conhecidos como anti-estreptolisina O (ASO) ou DNAse B, podem ser detetados através de análises sanguíneas realizadas com intervalos até 2-4 semanas. Os níveis elevados indicam uma infeção recente, mas não existe nenhuma relação comprovada com a gravidade da doença. No entanto, estes testes apresentam resultados normais nos doentes apenas com coreia, tornando este diagnóstico complicado.
Resultados alterados da análise ASO ou DNAse B significam uma exposição prévia às bactérias que estimulam o sistema imunitário a produzir anticorpos e, por si só, não estabelecem o diagnóstico de febre reumática em doentes sem sintomas. Como tal, o tratamento com antibióticos, geralmente não é necessário.
2.4 Como se deteta a cardite?
Um novo sopro, resultante da inflamação de uma válvula cardíaca, é a característica mais comum de cardite e geralmente é detetado pela auscultação dos sons do coração pelo médico. Um eletrocardiograma (uma avaliação da atividade elétrica cardíaca, registada numa tira de papel) é útil para garantir o grau de envolvimento do coração. As radiografias do tórax também são importantes para verificar se existe aumento do tamanho do coração.
Um ecocardiograma com Doppler ou uma ecografia cardíaca são exames bastante sensíveis para a cardite. Todos estes procedimentos são absolutamente indolores e o único desconforto é que a criança deve permanecer sossegada durante algum tempo durante o exame.
2.5 Há tratamento/cura para a doença?
A febre reumática é um problema de saúde importante em determinadas áreas do mundo, mas pode ser evitada através do tratamento da faringite estreptocócica assim que esta for identificada (ou seja, prevenção primária). O tratamento com antibiótico iniciado no espaço de 9 dias após o início da faringite é eficaz na prevenção da febre reumática aguda. Os sintomas da febre reumática são tratados com medicamentos anti-inflamatórios não-esteróides.
Estão atualmente em curso estudos para produzir uma vacina que possa proteger contra estreptococos. A prevenção da infeção inicial proporcionaria proteção contra a reação imunológica anómala. Esta abordagem pode tornar-se a prevenção da febre reumática no futuro.
2.6 Quais são os tratamentos?
Durante os últimos anos, não têm havido novas recomendações de tratamento. Embora a aspirina tenha permanecido o tratamento de eleição, a ação exata do seu efeito não é clara; parece estar relacionada com as propriedades anti-inflamatórias. Outros medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides ((
AINEs) são recomendados para a artrite durante 6-8 semanas, ou até desaparecer.
Para a cardite grave, é recomendado repouso na cama e, em alguns casos,
corticosteróides orais (prednisona) durante 2-3 semanas, descontinuando-se gradualmente após a inflamação estar controlada, através da monitorização dos sintomas e das análises sanguíneas.
No caso de coreia, pode ser necessário apoio dos pais para os cuidados pessoais e tarefas escolares. O tratamento farmacológico para controlo dos movimentos da coreia com esteróides, haloperidol ou ácido valpróico pode ser prescrito, com um acompanhamento atento dos seus eventuais efeitos secundários. Os efeitos secundários mais comuns são a sonolência e tremores, os quais podem ser facilmente controlados através do ajuste da dose. Em alguns casos, a coreia pode prolongar-se por vários meses apesar do tratamento adequado.
Após o diagnóstico ter sido confirmado, recomenda-se proteção a longo prazo com antibiótico para evitar a recorrência de febre reumática aguda.
2.7 Quais são os principais efeitos secundários da terapêutica?
Em termos de tratamento sintomático de curta duração, os salicilatos e outros AINEs, são geralmente bem tolerados. O risco de alergia à penicilina é bastante baixo, mas a sua utilização deve ser monitorizada durante as primeiras injeções. As principais considerações são as injeções dolorosas e a possível recusa pelos doentes que têm medo da dor. Como tal, recomenda-se prestar informação sobre a doença, anestésicos tópicos e relaxamento antes das injeções.
2.8 Quanto tempo deve a prevenção secundária durar?
O risco de recidiva é maior durante os 3-5 anos posteriores ao início da doença e o risco de desenvolver cardite aumenta com o aparecimento de novos episódios. Durante este período de tempo, o tratamento periódico com antibióticos é recomendado em todos os doentes que já tiveram febre reumática, para prevenção do aparecimento de novas infeções estreptocócias, independentemente da gravidade, uma vez que também podem ocorrer formas ligeiras de episódios.
A maioria dos médicos concorda que a prevenção com antibióticos deve continuar durante pelo menos 5 anos após o último episódio, ou até que a criança tenha 21 anos. No caso de existência de cardite sem lesões cardíacas, recomenda-se a realização de profilaxia secundária durante 10 anos ou até que o doente tenha 21 anos (o que for maior). Caso existam lesões cardíacas, recomenda-se a realização de profilaxia durante 10 anos, ou até aos 40 anos, ou até mais tarde caso a doença seja complicada por substituição da válvula cardíaca.
Recomenda-se a prevenção de endocardite bacteriana utilizando antibióticos em todos os doentes com lesões na válvula cardíaca sujeitos a intervenções ou cirurgia odontológica. Esta medida é necessária pois as bactérias podem deslocar-se a partir de outros locais do corpo, especialmente da boca, e causar infeção da válvula cardíaca.
2.9 E os tratamentos não convencionais/complementares?
Existem muitos tratamentos complementares e alternativos disponíveis e isto pode ser confuso para os doentes e para as suas famílias. Avalie cuidadosamente os riscos e os benefícios de experimentar estes tratamentos uma vez que existem poucos benefícios comprovados e podem ser dispendiosos, tanto em termos de tempo, transtorno para a criança e financeiros. Se pretender saber mais sobre tratamentos complementares e alternativos, é aconselhável discutir essas opções com o seu reumatologista pediátrico. Alguns tratamentos podem interagir com os medicamentos convencionais. A maioria dos médicos não se oporá a tratamentos complementares, desde que siga as indicações médicas. É muito importante não parar de tomar os medicamentos receitados. Quando são necessários medicamentos, tais como corticosteróides, para manter a doença sob controlo, pode ser muito perigoso parar de os tomar caso a doença ainda esteja ativa. Fale com o médico do seu filho sobre preocupações que tenha em relação à medicação.
2.10 Que tipo de reavaliações periódicas são necessárias?
Podem ser necessárias reavaliações e testes periódicos durante a evolução a longo prazo da doença. É recomendado um acompanhamento mais regular nos casos em que existe cardite e coreia. Após remissão dos sintomas, recomenda-se um cronograma de monitorização do tratamento preventivo e acompanhamento a longo prazo, sob supervisão de um cardiologista, de modo a tentar identificar lesões cardíacas posteriores.
2.11 Quanto tempo durará a doença?
Os sintomas agudos da doença diminuem significativamente após alguns dias a semanas. No entanto, o risco de episódios recorrentes de febre reumática aguda persiste e o envolvimento cardíaco pode causar sintomas durante toda a vida. O tratamento contínuo com antibióticos para prevenção da recorrência de faringite estreptocócica é necessário durante muitos anos.
2.12 Qual é a evolução a longo prazo (prognóstico) da doença?
As recidivas dos sintomas tendem a ser imprevisíveis, tanto no tempo como em gravidade. No primeiro episódio, a cardite aumenta o risco de lesões irreversíveis embora, em alguns casos, possa ocorrer cura total após a cardite. As lesões cardíacas mais graves requerem cirurgia para substituição da válvula.
2.13 É possível recuperar totalmente?
A recuperação total é possível, exceto se a cardite tiver causado lesões graves e irreversíveis na válvula cardíaca.
3.1 De que forma pode a doença afetar o dia-a-dia da criança e da sua família?
Com os cuidados apropriados e a realização de reavaliações periódicas, a maioria das crianças com febre reumática tem uma vida normal. No entanto, aos doentes com cardite e coreia, recomenda-se apoio familiar durante os episódios.
A principal preocupação é o cumprimento do tratamento de prevenção com antibióticos a longo prazo. Os serviços de cuidados primários devem estar envolvidos e é necessária formação para melhorar o cumprimento do tratamento, especialmente nos adolescentes.
3.2 E a escola?
Se não for detetada nenhuma lesão cardíaca residual durante as reavaliações periódicas, não existe nenhuma recomendação especial para as atividades diárias nem para a vida escolar de rotina. As crianças podem participar em todas as atividades. Os pais e os professores devem fazer tudo o que puderem para permitir que a criança participe nas atividades escolares de forma normal, de modo a que a criança não só seja bem sucedida academicamente, como para ser também aceite e apreciada pelos colegas e adultos. Durante as fases agudas de coreia, são expectáveis algumas limitações durante as tarefas escolares, e as famílias e os professores podem ter que lidar com isso durante 1 a 6 meses.
3.3 E em relação à prática de desportos?
A prática de desportos é um aspeto essencial da vida diária de qualquer criança. Um dos objetivos do tratamento é permitir que as crianças tenham uma vida normal na medida do possível, e não se considerem diferentes dos seus colegas e amigos. Como tal, todas as atividades podem ser praticadas desde que toleradas. No entanto, pode ser necessário restringir a atividade física ou inclusivamente fazer repouso na cama durante a fase aguda.
3.4 E em relação à alimentação?
Não existe evidência científica de que a alimentação possa influenciar a doença. De um modo geral, a criança deve praticar uma alimentação variada e adequada para a sua idade. Uma alimentação saudável e bem equilibrada com proteínas, cálcio e vitaminas suficientes é recomendada para uma criança em crescimento. Os doentes tratados com corticosteróides devem evitar comer em excesso, uma vez que estes medicamentos podem aumentar o apetite.
3.5 O clima pode influenciar a evolução da doença?
Não existe evidência científica de que o clima possa afetar as manifestações da doença.
A criança pode ser vacinada?
O médico deverá decidir que vacinas podem ser administradas, considerando caso a caso. No geral, as vacinas não parecem aumentar a atividade da doença ou causar efeitos adversos graves nos doentes. No entanto, as vacinas vivas atenuadas são geralmente evitadas devido ao risco hipotético de indução de infeções nos doentes que sejam tratados com doses elevadas de medicamentos imunossupressores ou agentes biológicos. As vacinas inativadas parecem ser seguras nos doentes, mesmo nos que são tratados com medicamentos imunossupressores, embora a maioria dos estudos não consiga avaliar totalmente os danos raros induzidos pela vacinação.
Um doente tratado com doses elevadas de medicamentos imunossupressores deverá ser aconselhado pelo seu médico a avaliar as concentrações de anticorpos específicos contra o agente patogénico após a vacinação.
3.7 E em relação à vida sexual, à gravidez e à contraceção?
Não existem restrições quanto à atividade sexual ou gravidez devidas à doença. No entanto, todos os doentes que tomam medicamentos devem ser muito cuidadosos devido aos possíveis efeitos tóxicos desses medicamentos no feto. Os doentes são aconselhados a consultar o médico sobre a contraceção e a gravidez.
4.1 O que é?
Foram descritos casos de artrite associada a estreptococos, tanto em crianças como em adultos jovens. Normalmente é chamada de "artrite reativa" ou "artrite reativa pós-estreptocócica" (ARPE).
A ARPE afeta habitualmente crianças com idade entre os 8 e 14 anos e adultos jovens entre os 21 e 27 anos. Geralmente, desenvolve-se no período de 10 dias após uma infeção da garganta. Difere da artrite existente na febre reumática aguda (FRA), que afeta principalmente grandes articulações. Na ARPE, são afetadas grandes e pequenas articulações e o esqueleto axial. Geralmente dura mais tempo do que a FRA — cerca de 2 meses, por vezes mais.
Pode existir febre baixa, com testes laboratoriais alterados, indicando inflamação (proteína C-reativa e/ou velocidade de sedimentação eritrocitária elevadas). Os marcadores inflamatórios são inferiores comparativamente com a FRA. O diagnóstico de ARPE baseia-se na artrite, com evidência de infeção estreptocócica recente, testes de anticorpos estreptocócicos elevados (ASO, DNAse B) e na ausência dos sinais e sintomas num diagnóstico de FRA de acordo com os "critérios de Jones".
A ARPE é uma doença diferente da FRA. Os doentes com ARPE provavelmente não irão desenvolver cardite. Atualmente, a American Heart Association recomenda o tratamento com antibióticos profiláticos durante um ano após o aparecimento dos sintomas. Além disso, estes doentes devem ser observados cuidadosamente quanto à existência de evidências clínicas e ecocardiográficas de cardite. Caso surja doença cardíaca, o doente deve ser tratado como na FRA. Caso contrário, a profilaxia pode ser descontinuada. Recomenda-se o acompanhamento/vigilância por um cardiologista.