1.1 O que é?
O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença autoimune crónica que pode afetar vários órgãos do corpo, especialmente a pele, articulações, sangue, rins e sistema nervoso central. "Crónica" significa que pode durar durante um longo período de tempo. "Autoimune" significa que existe um distúrbio do sistema imune, o qual, em vez de proteger o corpo de bactérias e vírus, ataca os próprios tecidos do doente.
O nome "lúpus eritematoso sistémico" data do início do século XX. "Sistémico" significa que afeta muitos órgãos do corpo. A palavra "lúpus" deriva da palavra latina "lobo" e refere-se à característica erupção cutânea semelhante à asa de uma borboleta que surge no rosto, a qual é semelhante às marcas brancas que existem no focinho de um lobo. Em grego, "eritematoso" significa vermelho, e refere-se à vermelhidão da erupção cutânea.
1.2 É uma doença comum?
O LES é reconhecido mundialmente. A doença parece ser mais comum em pessoas de origem afro-americana, hispânicos, asiáticos e nativos americanos. Na Europa cerca de 1 em cada 2.500 pessoas são diagnosticadas com LES e cerca de 15% de todos os doentes com lúpus são diagnosticados antes dos 18 anos de idade. O aparecimento do LES é raro antes dos 5 anos e pouco comum antes da adolescência. Quando o LES aparece antes dos 18 anos, os médicos utilizam nomes diferentes: LES pediátrico, LES juvenil e LES de início na infância.
As mulheres em idade fértil (dos 15 aos 45 anos) são as acometidas com maior frequência e, neste grupo etário em particular, a proporção de mulheres acometidas em relação aos homens é de nove para um. Antes da puberdade, a proporção de meninos afetados é superior e cerca de cada 1 a cada 5 crianças com LES é do sexo masculino.
1.3 Quais são as causas da doença?
O LES não é contagioso. É uma doença autoimune na qual o sistema imune perde a sua capacidade de distinguir entre uma substância estranha e os tecidos e células da própria pessoa. O sistema imunitário produz, entre outras substâncias, autoanticorpos que identificam as células normais da pessoa como corpos estranhos, atacando-as. O resultado é uma reação autoimune, que causa inflamação em órgãos específicos (articulações, rins, pele, etc.). Inflamado significa que as partes do corpo afetadas ficam quentes, vermelhas, inchadas e por vezes doridas. Se os sinais de inflamação forem duradouros, tal como pode acontecer no LES, então podem ocorrer danos nos tecidos e as funções normais são diminuídas. É por este motivo que o tratamento do LES tem como objetivo a redução da inflamação.
Múltiplos fatores de risco hereditários combinados com fatores ambientais ao acaso são considerados como os responsáveis pela resposta imunitária anormal. Sabe-se que o LES pode ser desencadeado por vários fatores, incluindo desequilíbrio hormonal na puberdade, stress e fatores ambientais tais como exposição solar, infeções virais e medicamentos (por exemplo, isoniazida, hidralazina, procainamida, medicamentos anti-epilépticos).
1.4 É uma doença hereditária?
O LES ocorre mais frequentemente em algumas famílias. As crianças herdam dos pais alguns fatores genéticos, ainda desconhecidos, que podem fazer com que tenham predisposição a desenvolver LES. Embora não estejam necessariamente predestinadas a ter LES, podem estar mais susceptíveis a contrair a doença. Por exemplo, entre gémeos idênticos, se um dos gémeos for diagnosticado com LES o outro gémeo não apresenta um risco superior a 50% de contrair LES. Não há teste genético ou diagnóstico pré-natal disponível para o LES.
1.5 O seu aparecimento pode ser prevenido?
O LES não pode ser prevenido, no entanto, a criança afetada deve evitar o contacto com determinadas situações que possam desencadear o início da doença ou causar exacerbação da doença (por exemplo, a exposição ao sol sem utilização de protetores solares, algumas infeções virais, stress, hormonas e determinados medicamentos).
1.6 É infeccioso?
O LES não é infecioso. Isto significa que não pode ser transmitido de uma pessoa para outra.
1.7 Quais são os principais sintomas?
A doença pode começar lentamente, com novos sintomas a aparecer durante um período de várias semanas, meses ou mesmo anos. Os sintomas iniciais mais comuns do LES nas crianças são queixas não específicas de fadiga e mal-estar. Muitas crianças com LES têm febre intermitente ou contínua, perda de peso e falta de apetite.
Ao longo do tempo, muitas crianças desenvolvem sintomas específicos da doença causados pelo envolvimento de um ou mais órgãos do corpo. O envolvimento da pele e das mucosas é muito comum e pode incluir uma variedade de diferentes erupções cutâneas, fotossensibilidade (quando a exposição à luz do sol desencadeia uma erupção cutânea) e úlceras no interior do nariz e da boca. A erupção cutânea típica em "asa de borboleta" no nariz e nas maçãs do rosto ocorre entre 1/3 a 1/2 das crianças afetadas. Por vezes, poder ser observado um aumento na queda de cabelo (alopecia). As mãos ficam vermelhas, brancas e azuladas quando expostas ao frio (fenómeno de Raynaud). Os sintomas podem também incluir inchaço e rigidez articular, dores musculares, anemia, facilidade no aparecimento de hematomas, dores de cabeça, convulsões e dores torácicas. O envolvimento dos rins encontra-se presente, até certa medida, na maioria das crianças com LES e é um dos principais fatores determinantes do prognóstico a longo prazo desta doença.
Os sintomas mais comuns de envolvimento renal importante são pressão arterial alta, proteínas e sangue na urina e inchaço, em especial nos pés, pernas e pálpebras.
1.8 A doença é igual em todas as crianças?
Os sintomas de LES variam muito de acordo com cada caso, pelo que o perfil de cada criança ou a lista dos seus sintomas é diferente. Todos os sintomas descritos acima podem ocorrer tanto no início do LES como em qualquer momento durante a evolução da doença com diferente gravidade. Tomar os medicamentos que foram receitados pelo seu médico de lúpus irá ajudar a controlar sintomas de LES.
1.9 A doença nas crianças é diferente da doença nos adultos?
O LES nas crianças e adolescentes tem manifestações semelhantes às do LES nos adultos. No entanto, nas crianças, o LES tem uma evolução mais grave nas crianças que apresentam mais frequentemente várias características de inflamação devido ao LES em qualquer momento. As crianças com LES também têm doença renal e cerebral mais frequentemente do que os adultos.
2.1 Como é diagnosticado?
O diagnóstico do LES baseia-se numa combinação de sintomas (tais como dor), sinais (tais como febre), e análises sanguíneas e à urina e após a exclusão de outras doenças. Os sinais e sintomas não estão todos presentes num determinado momento e isso torna difícil diagnosticar o LES rapidamente. Para ajudar a distinguir o LES de outras doenças, os médicos do Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology) estabeleceram uma lista de 11 critérios que, quando combinados, apontam para a existência de LES.
Estes critérios representam alguns dos sintomas/anormalidades mais comuns que podem ser observados em doentes com LES. Para efetuar um diagnóstico formal de LES, o doente deve ter pelo menos 4 destes 11 critérios, em qualquer momento, desde o início da doença. No entanto, os médicos experientes também conseguem fazer o diagnóstico de LES, mesmo que estejam presentes menos de 4 dos critérios. Os critérios são:
A erupção cutânea em "asa de borboleta"
É uma erupção cutânea vermelha que ocorre sobre a face e o dorso do nariz.
Fotossensibilidade
A fotossensibilidade é uma reação excessiva da pele à luz solar. Geralmente, a pele coberta por roupa não está envolvida.
Lúpus discóide
É uma erupção cutânea escamosa, com relevo, em forma de moeda que surge na face, no couro cabeludo, nas orelhas, no peito e nos braços. Quando estas lesões curam podem deixar uma cicatriz. As lesões discóides são mais comuns nas crianças de raça negra do que nas de outros grupos raciais.
Úlceras nas mucosas
São pequenas feridas que ocorrem na boca ou no nariz. Geralmente não são dolorosas, mas as úlceras do nariz podem causar hemorragias nasais.
Artrite
A artrite afeta a maioria das crianças com LES. Provoca dor e inchaço nas articulações das mãos, pulsos, cotovelos, joelhos ou noutras articulações dos braços e pernas. A dor pode ser migratória, o que significa que pode passar de uma articulação para outra e pode ocorrer na mesma articulação em ambos os lados do corpo. Geralmente, a artrite no LES não resulta em alterações permanentes (deformações).
Pleurite
A pleurite é a inflamação da pleura, o revestimento dos pulmões, enquanto que a pericardite é a inflamação do pericárdio, o revestimento do coração. A inflamação destes delicados tecidos pode provocar acumulação de líquido em redor do coração ou dos pulmões. A pleurite provoca um tipo particular de dor torácica que piora com a respiração.
Envolvimento renal
O envolvimento renal encontra-se presente em aproximadamente todas as crianças com LES e varia desde muito ligeiro a muito grave. Geralmente, no início não apresenta sintomas e apenas pode ser detetado através de análises à urina e exames da função renal. As crianças com danos renais importantes podem ter proteínas e/ou sangue na urina e sofrer de inchaço, em especial nos pés e nas pernas.
Sistema nervoso central
O envolvimento do sistema nervoso central pode incluir dores de cabeça, convulsões e manifestações neuro-psiquiátricas tais como dificuldades de concentração e memória, alterações de humor, depressão e psicose (uma doença mental grave na qual o pensamento e o comportamento estão perturbados).
Alterações das células sanguíneas
Estas alterações são provocadas por autoanticorpos que atacam as células sanguíneas. O processo de destruição dos glóbulos vermelhos (que transportam oxigénio dos pulmões para outras partes do corpo) chama-se hemólise e pode provocar anemia hemolítica. Esta destruição pode ser lenta e relativamente ligeira ou pode ser muito rápida e provocar uma emergência.
Uma diminuição no número de glóbulos brancos chama-se leucopenia e, em geral, não é perigosa no LES.
Uma diminuição na contagem de plaquetas é denominada por trombocitopenia. As crianças com uma diminuição na contagem de plaquetas podem ficar facilmente com hematomas na pele e ter hemorragias em diversas partes do corpo, como por exemplo, no trato digestivo, no trato urinário, no útero ou no cérebro.
Alterções imunológicas
Estas alterações referem-se aos autoanticorpos encontrados no sangue e que apontam para a existência de LES:
a) Resultados positivos de anticorpos antifosfolípidos (anexo 1);
b) Anticorpos anti-DNA nativo (autoanticorpos direcionados contra o material genético das células). São encontrados principalmente no LES. Este teste é repetido com frequência, uma vez que a quantidade de anticorpos anti-DNA nativo parece aumentar quando o LES está ativo, podendo ajudar o médico a avaliar o grau de atividade da doença.
c) Anticorpos anti-Sm: o nome refere-se ao primeiro doente em cujo sangue foram encontrados (o sobrenome da doente era Smith). Estes autoanticorpos são encontrados quase exclusivamente no LES, e ajudam frequentemente a confirmar o diagnóstico.
Anticorpos antinucleares (ANA ou FAN)
São autoanticorpos direcionados contra o núcleo das células. Encontram-se no sangue da maioria dos doentes com LES. No entanto, um resultado positivo num teste ANA ou FAN, por si só, não constitui prova de LES, uma vez que o teste também pode ser positivo noutras doenças e pode mesmo dar resultados positivos muito fracos em cerca de 5-15% das crianças saudáveis.
2.2 Qual a importância dos testes?
Os testes laboratoriais podem ajudar a diagnosticar o LES e a indicar que órgãos internos estão envolvidos, se for o caso. É importante efetuar periodicamente análises sanguíneas e à urina para monitorizar a atividade e gravidade da doença, assim como para determinar a tolerância aos medicamentos. Existem vários testes laboratoriais que podem ajudar a diagnosticar o LES e a decidir quais os medicamentos a receitar e a avaliar se os medicamentos atualmente receitados estão a ter um bom efeito no controlo da inflamação do LES.
Exames clínicos de rotina: indicam a presença de uma doença sistémica ativa com envolvimento de vários órgãos:
Tanto a Velocidade de Hemossedimentação (VHS) como a Proteína C-reativa (PCR) estão aumentadas na inflamação. A PCR pode estar normal no LES, enquanto a VS está elevada. Uma PCR aumentada pode indicar complicações infeciosas adicionais.
Um hemograma completo pode revelar anemia e níveis baixos de plaquetas e glóbulos brancos.
A eletroforese de proteínas séricas pode revelar um aumento das gamaglobulinas (aumento da inflamação e da produção de autoanticorpos).
Albumina: níveis baixos podem indicar envolvimento renal.
Análises químicas de rotina podem revelar envolvimento renal (aumento dos níveis de azoto ureico e creatinina sérica, alterações na concentração de eletrólitos), anormalidades nos testes da função renal e aumento das enzimas musculares caso exista envolvimento muscular.
Testes de função hepática e enzimas musculares: caso exista envolvimento muscular ou hepático, os níveis destas enzimas estarão aumentados.
As análises à urina são muito importantes no momento do diagnóstico de LES e durante o acompanhamento, para determinar o envolvimento renal. As análises à urina podem apresentar vários sinais de inflamação no rim tais como glóbulos vermelhos ou a presença de uma quantidade excessiva de proteínas. Por vezes, é possível que as crianças com LES tenham de efetuar a recolha de urina durante 24 horas. Deste modo, pode ser descoberto o envolvimento precoce dos rins.
Níveis do sistema complemento – as proteínas do sistema complemento fazem parte do sistema imune inato. Determinadas proteínas do sistema complemento (C3 e C4) podem ser consumidas em reações imunes e a existência de níveis baixos destas proteínas indicam a presença de doença ativa, especialmente doença renal.
Existem atualmente disponíveis muitos outros exames que analisam os efeitos do LES em diferentes partes do organismo. É efetuada frequentemente uma biópsia (remoção de uma pequena porção de tecido) de um rim quando os rins estão afetados. Uma biópsia renal fornece informações importantes quanto ao tipo, grau e tempo de existência das lesões do LES, sendo muito útil na escolha do tratamento adequado. Uma biópsia cutânea de uma lesão pode ajudar a efetuar um diagnóstico de vasculite cutânea, lúpus discóide ou ajudar a determinar a natureza de várias erupções cutâneas numa pessoa com LES. Outros exames incluem Raios-X do tórax (coração e pulmões), ecocardiogramas, eletrocardiogramas (ECG) do coração, testes de função pulmonar para os pulmões, eletroencefalogramas (EEG), ressonâncias magnéticas (RM) ou outros exames de imagiologia cerebral, e possivelmente várias biópsias de tecidos.
2.3 Há tratamento/cura para a doença?
Atualmente, não existe nenhum tratamento específico para curar definitivamente o LES. O tratamento do LES ajudará a controlar os sinais e sintomas do LES e ajudará a prevenir complicações da doença, incluindo danos permanentes nos órgãos e tecidos. Quando o LES é diagnosticado pela primeira vez, encontra-se geralmente muito ativo. Nesta fase, pode ser necessário administrar doses elevadas de medicamentos para controlar a doença e evitar danos nos órgãos. Em muitas crianças, o tratamento controla as crises de LES e a doença pode entrar em remissão, na qual pouco ou nenhum tratamento é necessário.
2.4 Quais são os tratamentos?
Não existe nenhum medicamento específico aprovado para tratamento do LES em crianças. A maioria dos sintomas de LES deve-se à inflamação e, como tal, o tratamento destina-se a reduzir essa inflamação. Cinco grupos de medicamentos são utilizados em quase em todo o mundo para tratar crianças com LES:
Medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides (AINEs)
Os AINEs, tal como o ibuprofeno ou naproxeno, são utilizados para controlar a dor provocada pela artrite. Geralmente, estes medicamentos são receitados apenas durante pequenos períodos de tempo, com instruções para diminuir a dosagem à medida que ocorrer melhoria da artrite. Existem muitos medicamentos diferentes neste grupo de medicamentos, entre os quais a aspirina. Atualmente, a aspirina é pouco utilizada pelo seu efeito anti-inflamatório. No entanto, é amplamente utilizada em crianças com níveis elevados de anticorpos antifosfolípidos para prevenir a ocorrência de tromboses.
Medicamentos antimaláricos
Os medicamentos antimaláricos tais como a
hidroxicloroquina são muito úteis no tratamento e controlo de erupções cutâneas sensíveis ao sol tais como as erupções cutâneas do LEs do tipo discóide ou subagudas. É possível que passem muitos meses até que estes medicamentos demonstrem o seu efeito benéfico. Quando administrados precocemente, estes medicamentos também parecem reduzir as exacerbações da doença, melhorar o controlo da doença renal e proteger o sistema cardiovascular e outros sistemas de órgãos da ocorrência de danos. Não existe nenhuma relação conhecida entre o LES e a malária. Pelo contrário, a hidroxicloroquina ajuda a regular as anormalidades do sistema imuninário com LES, as quais também são importantes em pessoas com malária.
Corticosteróides
Os corticosteroides, tais como a prednisona ou prednisolona, são utilizados para reduzir a inflamação e suprimir a atividade do sistema imunitário. São o tratamento principal para o LES. Nas crianças com doença leve, os corticosteroides associados com medicamentos antimaláricos podem ser o único tratamento necessário. Quando a doença é mais grave, com envolvimento renal ou de outros órgãos internos, são utilizados em combinação com medicamentos imunossupressores (ver abaixo). De um modo geral, o controle inicial da doença não pode ser alcançado sem a administração diária de corticosteróides durante um período de várias semanas ou meses, requerendo a maioria das crianças a manutenção destes medicamentos durante muitos anos. A dose inicial de corticosteróides e a frequência da sua administração dependem da gravidade da doença e dos sistemas de órgãos afetados. Administram-se normalmente doses elevadas, orais ou intravenosas, de corticosteroides para o tratamento da anemia hemolítica grave, de doenças do sistema nervoso central e dos tipos mais graves de envolvimento renal. Poucos dias após o início da administração dos corticosteroides, as crianças têm uma sensação evidente de bem-estar e um aumento de energia. Após as manifestações iniciais da doença estarem controladas, a dose dos corticosteroides é reduzida até ao nível mais baixo possível que mantenha o bem-estar da criança. A redução da dose dos corticosteroides deve ser gradual, com uma monitorização frequente de modo a garantir que as medições clínicas e laboratoriais da atividade da doença sejam suprimidas.
Por vezes, os adolescentes podem sentir-se tentados a parar de tomar os corticosteróides ou a reduzir ou aumentar a dose. Isto pode dever-se ao facto de não tolerarem os efeitos secundários ou por se sentirem melhores ou piores. É importante que as crianças e os pais compreendam como os corticosteroides funcionam e por que motivo é perigoso parar ou alterar a medicação sem supervisão médica. Alguns corticosteróides (cortisona) são normalmente produzidos pelo corpo. Quando o tratamento é iniciado, o corpo responde parando a sua própria produção de cortisona e as glândulas supra-renais que a produzem começam a ficar lentas e preguiçosas.
Se os corticosteroides forem tomados durante um longo período de tempo e descontinuados abruptamente, o corpo pode não conseguir começar a produzir cortisona suficiente durante algum tempo. O resultado poderá ser uma falta de cortisona, o que poderá colocar a vida em perigo (insuficiência supra-renal). Além disso, uma redução demasiado rápida da dose de corticosteroides poderá provocar uma exacerbação da doença.
Medicamentos modificadores da doença (DMARDs) não biológicos
Estes medicamentos incluem
azatioprina,
metotrexato,
micofenolato de mofetil e
ciclofosfamida. Atuam de modo diferente dos corticosteróides e suprimem a inflamação. Estes medicamentos são utilizados quando os corticosteróides, por si só, não conseguem controlar o LES, ajudando os médicos a diminuir as doses diárias de corticosteroides de modo a reduzir os efeitos adversos ao mesmo tempo que controlam as características do LES.
O micofenolato de mofetil e a azatioprina são administrados sob a forma de comprimidos e a ciclofosfamida pode ser administrada sob a forma de comprimidos ou pulsos intravenosos. O tratamento com ciclofosfamida é utilizado em crianças com envolvimento grave do sistema nervoso central. O metotrexato é administrado sob a forma de comprimidos ou injeção subcutânea.
DMARDs biológicos
Os DMARDs biológicos (muitas vezes chamados simplesmente de agentes biológicos) incluem agentes que bloqueiam a produção de autoanticorpos ou o efeito de uma molécula específica. Um destes medicamentos é o rituximabe, que é utilizado principalmente quando o tratamento padrão não consegue controlar a doença. O belimumabe é um medicamento biológico direcionado contra tipos de células B sanguíneas produtoras de anticorpos e foi aprovado para o tratamento de doentes adultos com LES. Geralmente, a utilização de agentes biológicos em crianças e adolescentes com LES é ainda experimental.
A investigação no campo das doenças autoimunes e particularmente do LES é muito intensiva. O objetivo futuro é determinar os mecanismos específicos da inflamação e da autoimunidade, de modo a direcionar melhor os tratamentos sem suprimir o sistema imunitário. Atualmente, existem muitos estudos clínicos em curso envolvendo o LES. Incluem o teste de novos tratamentos e investigação para ampliar a compreensão dos diferentes aspetos do LES na infância. Esta investigação ativa em curso torna o futuro cada vez mais promissor para as crianças com LES.
2.5 Quais são os principais efeitos secundários da terapia medicamentosa?
Os medicamentos utilizados no tratamento do LES são bastante úteis no tratamento dos seus sinais e sintomas. Tal como todos os medicamentos, podem provocar diversos efeitos adversos (para uma descrição detalhada dos efeitos secundários, consulte a secção sobre
Terapia Medicamentosa).
Os
AINEs podem provocar efeitos adversos tais como desconforto gástrico (devem ser tomados depois das refeições), facilidade no aparecimento de hematomas e, raramente, alterações nas funções renais ou hepáticas. Os medicamentos antimaláricos podem provocar alterações na retina ocular e, como tal, os doentes devem fazer check-ups periódicos no oftalmologista.
Os
corticosteróides podem provocar uma grande variedade de efeitos secundários, tanto a curto como a longo prazo. Os riscos destes efeitos secundários aumentam quando são necessárias e utilizadas doses elevadas de corticosteróides durante um longo período de tempo. Os principais efeitos secundários são:
Alterações na aparência física (por exemplo, aumento de peso, bochechas inchadas, crescimento excessivo de pelos corporais, alterações cutâneas com estrias roxas, acne e facilidade em ficar com hematomas). O aumento de peso pode ser controlado através de uma alimentação baixa em calorias e com exercício físico.
Risco aumentado de infeções, em especial tuberculose e varicela. Uma criança que esteja a tomar corticosteróides e tenha sido exposta à varicela (catapora) deve consultar um médico logo que possível. Pode ser obtida proteção imediata contra a varicela através da administração de anticorpos pré-formados (imunização passiva).
Problemas de estômago tais como dispepsia (indigestão) ou azia. Para resolver este problema podem ser necessários medicamentos anti-ácidos.
Supressão do crescimento
Os efeitos secundários menos frequentes incluem:
Pressão arterial alta
Fraqueza muscular (as crianças podem ter dificuldade em subir escadas ou a levantar-se de uma cadeira).
Distúrbios no metabolismo da glicose, em especial se existir predisposição genética para diabetes.
Alterações do humor, incluindo depressão e variações de humor.
Distúrbios visuais tais como turvação do cristalino (catarata) e glaucoma.
Enfraquecimento ósseo (osteoporose). Este efeito secundário pode ser minimizado através da prática de exercício físico, da ingestão de alimentos ricos em cálcio e da administração de suplementos de cálcio e vitamina D. Estas medidas preventivas devem ser iniciadas assim que é iniciada a administração de doses elevadas de corticosteróides.
É importante salientar que a maioria dos efeitos adversos dos corticosteroides é reversível e desaparecerá quando a dose for reduzida ou quando o medicamento for descontinuado.
Os DMARDs (biológicos ou não biológicos) também têm efeitos secundários que podem ser graves.
2.6 Quanto tempo o tratamento deve durar?
O tratamento deve durar enquanto a doença persistir. Aceita-se que a maioria das crianças com LES descontinuam totalmente os corticosteróides apenas com uma certa dificuldade. Até mesmo um tratamento de manutenção a longo prazo com uma dose muito baixa de corticosteroides pode minimizar a propensão para novas exacerbações e manter a doença sob controlo. Em muitos pacientes, esta poderá ser a melhor solução para evitar o risco de ocorrência de uma exacerbação da doença. Estas doses baixas de corticosteróides têm muito poucos efeitos adversos, sendo geralmente ligeiros.
2.7 E os tratamentos não convencionais/complementares?
Existem muitos tratamentos complementares e alternativos disponíveis e isto pode ser confuso para os doentes e para as suas famílias. Avalie cuidadosamente os riscos e os benefícios de experimentar estes tratamentos uma vez que existem poucos benefícios comprovados e podem ser dispendiosos, tanto em termos de tempo, fardo para a criança e financeiros. Se pretender experimentar tratamentos complementares e alternativos, discuta essas opções com o seu reumatologista pediátrico. Alguns tratamentos podem interagir com os medicamentos convencionais. A maioria dos médicos não se oporá, desde que siga as indicações médicas. É muito importante não parar de tomar os medicamentos prescritos. Quando são necessários medicamentos para manter a doença sob controle, pode ser muito perigoso parar de os tomar caso a doença ainda esteja ativa. Fale com o médico do seu filho sobre preocupações que tenha em relação à medicação.
2.8 Que tipo de check-ups periódicos são necessários?
É importante consultar frequentemente o médico, pois muitas complicações que podem surgir com o LES podem ser prevenidas ou tratadas mais facilmente se detetadas precocemente. Geralmente, as crianças com LES precisam de ser observadas, pelo menos a cada 3 meses, por um reumatologista. Conforme seja necessário, devem ser marcadas consultas com outros especialistas: dermatologistas pediátricos (tratamento dermatológico), hematologistas pediátricos (doenças do sangue) ou nefrologistas pediátricos (doenças renais). No tratamento de crianças com LES também estão envolvidos assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e outros profissionais de saúde.
As crianças com LES devem medir periodicamente a pressão arterial, realizar análises à urina, realizar hemogramas completos, medir a glicemia, realizar testes de coagulação e verificar os níveis do sistema complemento e de anticorpos anti-DNA nativo. É também fundamental efetuar análises sanguíneas de controlo ao longo do tratamento com agentes imunossupressores para garantir que os níveis de células sanguíneas produzidas pela medula óssea não cheguem em um nível muito baixo.
2.9 Quanto tempo a doença vai durar?
Tal como referido acima, não existe cura definitiva para o LES. Os sinais e sintomas de LES podem ser mínimos ou mesmo inexistentes se os medicamentos forem tomados periodicamente e de acordo com as indicações do reumatologista pediátrico. Entre outros fatores, não tomar os medicamentos periodicamente, infecções, estresse e luz solar podem levar a um agravamento do LES. Este agravamento também é conhecido como "exacerbação do lúpus". Muitas vezes, é muito difícil prever qual será a evolução da doença.
2.10 Qual é a evolução a longo prazo (prognóstico) da doença?
O prognóstico do LES melhora significativamente com o controle precoce e prolongado da doença, que pode ser alcançado com a utilização de hidroxicloroquina, corticosteroides e DMARDs. Muitos doentes com LES de início na infância reagem muito bem. No entanto, a doença pode ser muito grave e colocar a vida em risco, e pode permanecer ativa ao longo da adolescência e no início da idade adulta.
O prognóstico do LES na infância depende da gravidade do envolvimento dos órgãos internos. As crianças que tenham doença renal ou envolvimento do sistema nervoso central significativo precisam de um tratamento agressivo. Em contraste, as erupções cutâneas ligeiras e a artrite podem ser facilmente controladas. O prognóstico para cada criança em particular é relativamente imprevisível.
2.11 É possível uma recuperação total?
Se diagnosticada precocemente e tratada de forma adequada numa fase inicial, a doença costuma acalmar e entrar em remissão (ausência de todos os sinais e sintomas de LES). No entanto, conforme já foi referido, o LES é uma doença crónica imprevisível e as crianças com um diagnóstico de LES permanecem normalmente sob cuidados médicos e a tomar medicamentos. Muitas vezes, um especialista para adultos deve acompanhar o LES quando o doente atinge a idade adulta.
3.1 De que forma pode a doença afetar o dia a dia da criança e da sua família?
Assim que as crianças com LES estiverem sob tratamento, poderão ter uma vida normal. Uma exceção será a exposição excessiva à luz solar/luz UV em discotecas, o que poderá desencadear ou agravar o LES. Uma criança com LES não deverá ir à praia durante o dia nem sentar-se ao sol junto da piscina. É obrigatório utilizar frequentemente protetor solar com FPS 40 ou superior. No caso das crianças com cerca de 10 anos, é importante que estas comecem a assumir um papel progressivamente maior na toma dos seus medicamentos e nas opções dos seus cuidados pessoais. As crianças e os pais devem conhecer os sintomas do LES de modo a poderem identificar uma possível exacerbação. Determinados sintomas como fadiga crónica e falta de energia podem persistir durante vários meses após o fim de uma exacerbação. A prática de exercício físico periódico é importante para manter um peso saudável, manter uma boa saúde dos ossos e ficar condicionado.
3.2 E a escola?
As crianças com LES podem e devem frequentar a escola, exceto durante períodos de atividade mais intensa da doença. Se não existir envolvimento do sistema nervoso central, geralmente, o LES não afeta a capacidade da criança para aprender ou pensar. Nas crianças com envolvimento do sistema nervoso central, podem ocorrer problemas de dificuldade de concentração e de memorização, dores de cabeça e variações de humor. Nestes casos, têm de ser formulados planos educativos. De um modo geral, as crianças devem ser incentivadas a participar em atividades extracurriculares compatíveis desde que a doença assim o permita. No entanto, os professores devem estar cientes do diagnóstico da criança com LES para que possam ser efetuadas adaptações nos períodos em que existem problemas relacionados com o LES, incluindo dores nas articulações e em outras partes do corpo que possam afetar a aprendizagem.
3.3 E em relação à prática de desportos?
Normalmente, as restrições à atividade geral são desnecessárias e indesejáveis. As crianças devem ser incentivadas a praticar exercício físico com regularidade, durante os períodos de remissão da doença. Caminhar, nadar, andar de bicicleta e outras atividades aeróbicas ou ao ar livre são recomendadas. Recomenda-se a utilização de vestuário adequado para proteção contra o sol, protetores solares com espectro de proteção alto e evitar a exposição ao sol durante as horas de pico para as atividades ao ar livre. Deve-se evitar a prática de exercícios físicos até ao ponto da exaustão. Durante uma exacerbação da doença, a prática de exercício físico deve ser limitada.
3.4 E em relação à alimentação?
Não existe uma alimentação especial que possa curar o LES. As crianças com LES devem ter uma alimentação saudável e equilibrada. Se tomarem corticosteroides, devem ingerir alimentos com baixo teor de sal para ajudar a prevenir a tensão arterial alta e com baixo teor de açúcar para ajudar a prevenir o aparecimento de diabetes e o aumento de peso. Além disso, devem tomar suplementos de cálcio e de vitamina D para ajudar a prevenir a osteoporose. Não está cientificamente provado que qualquer outro suplemento vitamínico seja útil no LES.
3.5 O clima pode influenciar a evolução da doença?
É do conhecimento geral que a exposição ao sol pode levar ao desenvolvimento de novas lesões cutâneas e a exacerbações de atividade da doença no LES. Para evitar a ocorrência deste problema, recomenda-se a utilização de protetores solares tópicos de proteção alta em todas as partes do corpo expostas, sempre que a criança estiver ao ar livre. Lembre-se de aplicar o protetor solar no mínimo 30 minutos antes de sair de modo a que este tenha tempo de penetrar na pele e secar. Num dia de sol, o protetor solar deve ser aplicado de 3 em 3 horas. Alguns protetores solares são resistentes à água, contudo é aconselhável voltar a aplicá-los depois de tomar banho ou nadar. Também é importante vestir roupa que proteja do sol, como por exemplo, chapéus de aba larga e roupas de manga comprida quando estiver ao ar livre, mesmo em dias nublados, uma vez que os raios UV conseguem atravessar as nuvens facilmente. Algumas crianças têm problemas após exposição à luz UV proveniente de lâmpadas fluorescentes, lâmpadas de halogénio ou ecrãs de computador. Os ecrãs com filtros UV são úteis no caso de crianças com problemas, quando utilizam um monitor.
A criança pode ser vacinada?
O risco de infeção é maior nas criança com LES, como tal, a prevenção de infeções através da vacinação é particularmente importante. Se possível, a criança deve seguir o plano normal de vacinação. No entanto, existem algumas exceções: as crianças com doença ativa grave não devem receber nenhuma vacina e as crianças sob tratamento com imunossupressores, doses elevadas de corticosteroides e agentes biológicos não devem, de um modo geral, receber nenhuma vacina com vírus vivos (por exemplo, vacina contra o sarampo, a caxumba e a rubéola, vacinas orais contra o vírus da poliomielite e a vacina contra a varicela/catapora). A vacina oral contra a poliomielite é também contra-indicada nos familiares que vivam com uma criança que faça tratamento com imunossupressores.
Recomenda-se a administração da vacina anti-pneumocócica, anti-meningocócica e contra a gripe anual em crianças com LES tratadas com altas elevadas de corticosteroides e/ou medicamentos imunossupressores. Recomenda-se a vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV) em adolescentes do sexo masculino e feminino com LES.
Tenha em consideração que as crianças com LES podem necessitar de ser vacinados com maior frequência do que os seus colegas uma vez que a proteção fornecida pela vacinação parece durar menos tempo no LES.
E em relação à vida sexual, à gravidez e à contraceção?
Os adolescentes podem desfrutar de uma vida sexual saudável. No entanto, os adolescentes sexualmente ativos e tratados com determinados DMARDs ou com doença ativa, devem utilizar métodos contracetivos seguros. Idealmente, uma gravidez deve ser sempre planeada. Em particular, alguns medicamentos para a tensão arterial e alguns DMARDs podem afetar o desenvolvimento do feto. A maioria das mulheres com LES pode ter uma gravidez segura e um bebé saudável. O momento ideal para engravidar seria quando a doença, especialmente o envolvimento renal, estivesse bem controlada durante um longo período de tempo. As mulheres com LES podem ter dificuldade em engravidar devido à atividade da doença ou à medicação. O LES também está associado a um maior risco de aborto espontâneo, parto prematuro e a uma alteração congénita no bebé, conhecida como lúpus neonatal (anexo 2). As mulheres com um nível elevado de anticorpos antifosfolípidos (anexo 1) são consideradas como tendo um risco elevado para uma gravidez problemática.
A gravidez, por si só, pode agravar os sintomas ou desencadear uma exacerbação de LES. Como tal, todas as mulheres grávidas com LES devem ser cuidadosamente acompanhadas por um obstetra especializado no acompanhamento de gravidezes de alto risco e que trabalhe em conjunto com o reumatologista.
Os métodos contracetivos mais seguros para os doentes com LES são os métodos de barreira (preservativos ou diafragmas) e os agentes espermicidas. Os contracetivos sistémicos apenas com progesterona também são aceitáveis, como é o caso de alguns tipos de dispositivos intrauterinos (DIUs). As pílulas contracetivas com estrogénio podem aumentar o risco de exacerbações em mulheres com LES, embora existam novas opções que minimizam este risco.
Os anticorpos antifosfolípidos são autoanticorpos produzidos para atuar contra os fosfolípidos (parte da membrana de uma célula) do próprio corpo ou proteínas que se ligam aos fosfolípidos. Os três anticorpos antifosfolípidos mais conhecidos são os anticorpos anti-cardiolipina, os anticorpos anti-β2-glicoproteína I e os anticoagulantes lúpicos. Os anticorpos antifosfolípidos podem ser encontrados em 50% das crianças com LES, mas também são observados noutras doenças autoimunes, em diversas infeções, assim como numa pequena percentagem de crianças saudáveis.
Este anticorpos aumentam a tendência de coagulação nos vasos sanguíneos e têm sido associados a várias doenças, incluindo trombose das artérias e/ou veias, contagens dos níveis de plaquetas anormalmente baixas (trombocitopenia), enxaquecas, epilepsia e veios de cor arroxeada na pele (livedo reticularis). Um local onde frequentemente ocorre coagulação é o cérebro, o que pode provocar um acidente vascular cerebral. Outros locais onde frequentemente se formam coágulos são as veias das pernas e os rins. A síndrome antifosfolipídica é o nome dado a uma doença quando ocorreu uma trombose e existe um teste positivo para os anticorpos antifosfolípidos.
Os anticorpos antifosfolípidos são especialmente importantes nas mulheres grávidas, pois interferem com a função da placenta. Os coágulos sanguíneos que se formam nos vasos sanguíneos da placenta podem provocar aborto prematuro (aborto espontâneo), um baixo nível de crescimento fetal, pré-eclampsia (tensão alta durante a gravidez) e a existência de nado-mortos (perda do bebé logo ao nascimento). Algumas mulheres com anticorpos antifosfolípidos podem também ter dificuldade em engravidar.
A maioria das crianças com testes positivos de anticorpos antifosfolípidos nunca sofreu uma trombose. Está atualmente em curso uma investigação sobre quais os melhores tratamentos preventivos para estas crianças. Atualmente, as crianças com anticorpos antifosfolípidos positivos e com doença autoimune subjacente, tomam frequentemente doses baixas de aspirina. A aspirina atua nas plaquetas de modo a reduzir a sua capacidade de agregação, reduzindo dessa forma a capacidade de coagulação do sangue. A abordagem mais adequada, nos adolescentes com anticorpos antifosfolípidos, inclui também evitar fatores de risco tais como o tabagismo e contraceção oral.
Quando é efetuado um diagnóstico de síndrome antifosfolipídica (em crianças após a ocorrência de trombose) o tratamento principal consiste em tornar o sangue mais diluído. A diluição do sangue obtém-se geralmente com um comprimido designado varfarina, um anticoagulante. Este medicamento é tomado diariamente, sendo necessário efetuar análises sanguíneas periódicas para garantir que a varfarina dilui o sangue para um nível adequado. Existe também a heparina, que é injetada sob a pele, e a aspirina. A duração do tratamento com anticoagulante depende muito da gravidade da doença e do tipo de coagulação sanguínea.
As mulheres com anticorpos antifosfolípidos que sofrem abortos espontâneos recorrentes podem também receber tratamento, embora não com varfarina, pois esta pode causar anomalias fetais, se tomada durante a gravidez. A aspirina e a heparina são utilizadas para tratar mulheres grávidas com anticorpos antifosfolípidos. Durante a gravidez, a heparina tem de ser administrada diariamente por injeção subcutânea. Com a utilização destes medicamentos e com a supervisão atenta dos obstetras, cerca de 80% das mulheres terão uma gravidez bem sucedida.
O lúpus neonatal é uma doença rara do feto e do recém-nascido, adquirida através da passagem, através da placenta, de autoanticorpos específicos da mãe. Os autoanticorpos específicos associados ao lúpus neonatal são conhecidos como anticorpos anti-Ro e anti-La. Estes autoanticorpos estão presentes em cerca de um terço dos doentes com LES, embora muitas mães com estes anticorpos não tenham filhos com lúpus neonatal. Por outro lado, o lúpus neonatal pode ser observado nos filhos de grávidas sem LES.
O lúpus neonatal é diferente do LES. Na maioria dos casos, os sintomas de lúpus neonatal desaparecem espontaneamente quando a criança atinge os 3 a 6 meses de idade, não deixando quaisquer sequelas. O sintoma mais comum é a existência de erupção cutânea, a qual surge alguns dias ou semanas após o nascimento, em especial após exposição ao sol. A erupção cutânea do lúpus neonatal é transitória e, em geral, cura-se sem deixar cicatrizes. O segundo sintoma mais comum é uma contagem anormal dos componentes sanguíneos, que raras vezes é grave e tende a resolver-se ao longo de várias semanas, sem necessidade de tratamento.
Muito raramente, ocorre um tipo especial de anomalia no ritmo cardíaco, conhecida como bloqueio cardíaco congénito. No bloqueio cardíaco congénito, o bebé tem uma pulsação anormalmente lenta. Esta anomalia é permanente e pode muitas vezes ser diagnosticada entre a 15ª e a 25ª semanas de gravidez, através de ecocardiografia fetal. Em alguns casos, é possível tratar a doença no bebé durante a sua gestação. Após o nascimento, muitas crianças com bloqueio cardíaco congénito requerem a inserção de um pacemaker cardíaco. Se uma mãe já tiver tido um filho com bloqueio cardíaco congénito, existe aproximadamente 10 a 15% de risco de ter outro filho com o mesmo problema.
As crianças com lúpus neonatal crescem e desenvolvem-se normalmente. Têm apenas uma pequena probabilidade de vir a ter LES no futuro.